Dinheiro e Carreira

Como lidar com a aposentadoria: relatos e dicas de profissionais

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Especialistas explicam que é necessário um planejamento emocional e financeiro para passar tranquilamente por essa fase de mudanças

Atualizado em 30.06.23

Para uma grande parte da população, a aposentadoria é um grande sonho. A não obrigatoriedade de responsabilidades e compromissos oferece mais tempo de lazer, mais tempo com a família, mais tempo para cuidar de si, o que, em um primeiro momento, pode ser realmente extraordinário. Mas, pensando principalmente no histórico da luta social das mulheres no mercado de trabalho, um questionamento fica no ar: será que tantos anos de dedicação profissional não gera impactos na fase de aposentadoria?

Para a psicóloga Sandra Rêgo a resposta é “sim”, há diversas implicações. Ela explica que pelo fato do trabalho ser “parte integrante da nossa identidade”, a aposentadoria carrega consigo alguns aspectos importantes que impactam diretamente nas vivências desse período, como exemplo:

  • Questões físicas: referentes ao processo natural de envelhecimento que costumam ocasionar “para algumas pessoas algumas limitações de mobilidade”;
  • Perdas materiais: inerentes desse processo que gera queda nos rendimentos, “diminuindo um pouco do poder de compra e de status dessas pessoas”;
  • Mudanças na vida social: uma vez que esse processo implica em um período de “perda do convívio com os colegas de trabalho, a perda do status social”, além de despertar questões familiares como a ausência dos filhos ou do parceiro(a);
  • Questões emocionais: que envolvem a autoestima e autoconfiança frente às implicações de todos os aspectos anteriores.

A profissional explica ainda que as diferentes visões acerca do processo de envelhecimento também causam impactos negativos nesse período. Isso porque, ao passo que na visão oriental “a aposentadoria e o envelhecimento, caminham para um processo de sabedoria, para uma respeitabilidade desse indivíduo que já passou por diversas situações na vida e que estão agora no auge de sabedoria”, na visão ocidental “temos uma identificação maior dessas perdas descritas”.

Como as mulheres enfrentam esse momento?

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Para uma compreensão melhor das implicações da aposentadoria na vida das mulheres, o Dicas de Mulher conversou com três profissionais aposentadas que se dedicaram por anos às próprias carreiras: a ex-bancária, Simonéia Maria Sanches Gomes (60); a ex-professora universitária, Ivana Veraldo (59), e a ex-coordenadora geral de projeto social, Cleuza Rosa da Silva (55).

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Sobre sua trajetória profissional, Simonéia conta que começou a trabalhar desde os 14 anos, passando por cargos como secretária, auxiliar de dentista, telefonista e atendente em diversas empresas. “Por último fui bancária por quase trinta anos”, ela afirma.

Ivana, por sua vez, relata que passou mais de três décadas se dedicando à carreira de professora universitária no “Departamento de Fundamentos da Educação no curso de Pedagogia”. Ela, que se aposentou na Universidade Estadual do Maringá (UEM), revela que fez “graduação pedagogia, mestrado em educação e doutorado em História”, e já passou pelos cargos de professora, pesquisadora e orientadora.

Cleuza, por sua vez, também afirma que começou a trabalhar cedo, por volta dos 13 anos de idade. “Consegui uma vaga numa lojinha do bairro”, ela pontua e segue dissertando sobre sua jornada profissional: “passei por cinco empresas nessa minha caminhada até aqui”, sendo seu último cargo o de coordenadora geral de projeto social, na Fundação Projeto Travessia.

A respeito do processo de aposentadoria, Ivana e Cleuza explicam que apesar do momento ter sido desejado, a grande quantidade de tempo livre após um determinado período gerou alguns conflitos. “No primeiro mês foi festivo, depois deprimi. Não estava preparada para ter muito tempo disponível. Fui pra terapia, procurei me ocupar, com pequenas e importantes coisas”, conta Ivana relembrando o período de adaptação.

“Não ter obrigação de prazos, cobranças de entregas e mesmo várias outras decepções, também é magnífico, mas o tempo mostra o quão é difícil sustentar o não fazer nada, e assim é preciso buscar se reeducar, que o tempo agora é para você e é único”, esclarece Cleuza.

Por sua vez, Simonéia, revela que a vivência foi dolorosa: “foi complicadíssimo, pois fui demitida e entrei em depressão”. Além disso, ela conta que as mudanças dessa fase a fizeram sentir-se “inútil”, o que a fez realizar alguns cursos para tentar voltar ao mercado de trabalho. “Nada preenchia os meus dias. Se não fosse a família e os amigos, não teria conseguido passar por essa fase”, ela pontua, afirmando hoje lidar um pouco melhor com a situação.

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Impactos sociais também foram observados pelas três mulheres. “A sociedade ainda trata com muito preconceito o aposentado/idoso. O produtivismo e o “jovencentrismo” predominantes desvalorizam a experiência e a sabedoria dos aposentados/idosos”, Ivana pontua, o que corrobora com o que Simonéia afirma: “existe ainda hoje muito preconceito, como se não fossemos capazes de fazer mais nada”.

Cleuza, conta ainda que as relações e as interações sociais também mudam nesse período: “tem o seu desapego desmantelado na hora que chega a aposentadoria”, afirma, relembrando a movimentação do espaço de trabalho, os colegas e as atividades dentro e fora do escritório.

Como fica a vida financeira na aposentadoria?

Outro fator negativo que trouxe implicações na vivência dessas três mulheres, foi a queda dos rendimentos financeiros. “Meu salário caiu para metade, perdi benefícios, como vale-alimentação e refeição e também o plano de saúde”, ressalta Simonéia.

Ivana e Cleuza também pontuam que tiveram muitas perdas no poder aquisitivo. A ex-coordenadora geral afirma que muitas coisas de seu cotidiano, como frequentar alguns lugares ou até mesmo ir ao supermercado, precisou passar mudanças, pois “os proventos da aposentadoria são bastante reduzidos e se faz necessário fazer escolhas”.

Esses apontamentos vão ao encontro do que a especialista em educação financeira para mulheres, Glaucia Coutinho, diz a respeito da aposentadoria. Para ela, apesar do momento ser de grande desejo para muitas brasileiras, “a maioria das mulheres quando chega na data da aposentadoria, não está financeiramente estável para aposentar e aproveitar a vida”, o que “contribui emocionalmente de forma negativa, pois a aposentadoria vem junto com um sentimento de escassez de dinheiro”.

Glaucia pontua que a aposentadoria nem sempre é sinônimo de parar de trabalhar, o que pode ser positivo, uma vez que oferece a oportunidade de muitas mulheres “começarem negócios ou novos hobbies”, o que, na opinião da especialista, pode ser muito motivador. Contudo, ela afirma que para que a fase seja tranquila, é de extrema importância um bom planejamento financeiro.

Com isso, a profissional esclarece que, “saber o quanto você precisa ter de renda, o quanto dessa renda vem do benefício do INSS e o quanto você terá que completar para manter o seu padrão de vida, faz uma baita diferença”, uma vez que, como colocado por Simonéia anteriormente, os gastos costumam aumentar pela ausência de benefícios como vale-refeição e plano de saúde, por exemplo.

Como lidar com as mudanças desse período?

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A psicóloga Sandra Rêgo explica que as questões financeiras, as perdas materiais, as mudanças na vida social e as questões emocionais inerentes desse processo, implicam diretamente na qualidade de vida das mulheres. Dessa forma, quanto mais esses aspectos se apresentem de forma negativa, mais a vivência desse momento será difícil e conflituosa.

Ela afirma ainda que durante esse processo, a vida pode “ficar um pouco sem sentido”, o que gera ansiedade advinda de pensamentos como: “‘o que vou fazer?’, ‘quanto tempo tenho de vida?’, ‘como é que vai ser a meu dia de amanhã’?”. Além disso, ela ressalta os diversos vazios que permeiam essa fase como, por exemplo “o vazio da casa, o vazio do contato com as pessoas”, pode também ocasionar tanto traços depressivos quanto o transtorno depressivo.

Por isso, “o ideal é que a mulher que vai se aposentar comece a pensar nesse processo antes, o que a gente chama de preparação para a aposentadoria”, sinaliza Sandra Rêgo, que segue explicando a importância do auxílio de um profissional de saúde mental tanto antes, quanto durante e depois desse momento.

“É importante para que essa mulher faça a transição de uma maneira mais segura, de uma maneira planejada, organizada e que esses impactos sejam menores ou até não existam”, pontua. Outro alerta dado pela profissional é para que as mulheres cuidem do processo de aposentadoria como cuidaram de sua carreira, para que dessa forma “a gente passe por essa fase de uma maneira saudável, de uma maneira feliz, assim como a gente foi conduzindo a nossa carreira, nossa trajetória profissional, ao longo da vida”.

Pensando na questão emocional da aposentadoria, como disse a psicóloga, é fundamental que haja uma boa elaboração, onde cada mulher possa compreender as mudanças e entender quais passos serão dados futuramente, mas não para por aí. Se o emocional precisa de uma preparação, a vida financeira também precisa!

A especialista em finanças, Glaucia Coutinho, pontua que o dinheiro pode “proporcionar coisas importantes como bem-estar e qualidade de vida” na aposentadoria, mas para isso é preciso se planejar para poupar antes dela. “Quanto antes você começar a poupar e investir, menos esforço você terá que fazer. O componente tempo faz muita diferença quando o assunto é investimento”, ela afirma.

Mas caso o planejamento anterior não tenha sido feito, ela esclarece que “o primeiro passo para organizar a rotina é aproveitar o período de aposentadoria para rever suas despesas”. Isso porque, com a mudança na vida profissional e consequentemente na vida pessoal, os gastos também precisam mudar: “é hora de cortar hábitos antigos que demandavam gastos, como, por exemplo, se alimentar melhor e poder fazer compras com mais tempo, em lugares mais em conta”.

E no caso de você possuir investimentos, a especialista alerta para a preservação do patrimônio financeiro, revisando sua carteira “para reduzir o risco dos seus investimentos”. “Nesse período é importante ter liquidez em boa parte do seu dinheiro e diversificar para não deixar todos os ovos na mesma cesta”, ela sinaliza por fim.

Psicóloga apaixonada por literatura e psicanálise. Acredita que as palavras, escritas ou faladas, têm o poder de transformar.