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A sensação de vazio, o luto e o silêncio da sociedade. Muitas mulheres vivem a perda gestacional sozinhas, com o sentimento de culpa e a vergonha de falar sobre o assunto. Há um grande tabu social e uma estigmatização da expressão ‘aborto espontâneo’, que deslegitima a dor emocional do momento. A empatia, o apoio e mesmo novas construções linguísticas precisam florescer. No decorrer da matéria, especialistas falam sobre o tema. Acompanhe!
O que é aborto espontâneo (ou perda gestacional)
A ginecologista Larissa Atala explica que o aborto espontâneo é a interrupção involuntária da gestação antes das 20 semanas ou de um feto com menos de 500g. Embora seja comum ouvir a expressão ‘a mulher sofreu um aborto’, é preciso entender que a linguagem é política, possui função social e influencia a construção de discursos. Por isso:
“Existe um movimento para que o termo ‘aborto’ não seja mais utilizado. Ele pode ser entendido como agressivo, principalmente para aquela mulher que já está extremamente sensibilizada com a perda de um bebê desejado. Esse movimento se baseia na Língua Inglesa, com a utilização do termo miscarriage para uma perda gestacional, e abortion quando é provocado”. – Larissa Atala
Na Língua Portuguesa, a palavra aborto é utilizada tanto para a gestação interrompida voluntariamente quanto para a espontânea. Com isso, as construções de sentidos se dissolvem, geram confusões e apagamentos de questões sociais. Primeiro, a legalização do aborto é uma pauta muito importante para o feminismo. Nesse caso, sim, o termo está relacionado ao direito de a mulher escolher continuar com uma gestação ou não. Quando uma gravidez é desejada e a mulher perde o bebê, a carga semântica da palavra aborto, por vezes, silencia sua dor. Assim, a mudança linguística é também conscientização, sensibilidade e uma forma de direcionar olhar para um assunto pouco abordado.
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De acordo com a ginecologista, é preciso tratar esse assunto com franqueza e naturalidade para evitar possíveis traumas. “Como médica, já vivenciei essa dor em inúmeras pacientes, e até mesmo naquelas em que a gestação não foi planejada. De fato, após descobrir a gestação, geralmente ela passa a ser muito desejada. E quando há uma interrupção por uma perda gestacional, várias culpas e traumas podem surgir”.
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Causas da perda gestacional
A Dra. Larissa Atala explicou que a perda gestacional é muito comum: “de 20% a 30% das gestações podem não evoluir até as 12 semanas”. Inúmeros fatores provocam a interrupção indesejada da gravidez. Entretanto, segundo a especialista, a causa mais comum para uma perda gestacional é a cromossomopatia, isto é, quando o feto apresenta um número incorreto de cromossomos, ou quando seus cromossomos possuem falhas estruturais.
Perda gestacional tardia
A perda gestacional tardia ocorre quando a gestação ultrapassa as 20 semanas. Segundo a Dra. Larissa Atala, “perdas gestacionais mais tardias podem estar relacionadas à insuficiência placentária, diabetes gestacional, doenças hipertensivas na gestação, descolamento de placenta e, até mesmo, nó verdadeiro de cordão”. De qualquer forma, é importante fazer uma investigação clínica para descobrir o que ocasionou, de fato, a perda.
Não foi um aborto espontâneo, foi uma experiência de perda gestacional

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Com base na discussão apresentada no tópico anterior, a expressão “aborto espontâneo” não será utilizada para se referir à mãe que perdeu um bebê desejado. É preciso quebrar o tabu, conscientizar as mulheres sobre a importância de falar sobre o assunto, expressar a dor e viver o luto. Para colocar a questão em pauta, 15 de outubro marca o Dia Internacional da Sensibilização ou Conscientização à Perda Gestacional. Se você está enfrentando essa dor ou conhece alguém que esteja, saiba que você não está sozinha e ter uma rede de apoio faz toda a diferença.
Sem dúvidas, passar por uma perda gestacional é algo bem doloroso para as mulheres. A estudante de psicologia Larissa Perre teve duas perdas gestacionais e relata como enfrentou dificuldades para viver o luto:
“O luto pela perda gestacional é comumente negligenciado e até mesmo invalidado pela nossa sociedade, visto que apenas a mãe e a família (às vezes) criaram vínculos afetivos com o bebê que não nasceu. Quando a perda acontece ainda nas primeiras semanas de gestação, esse fato torna-se ainda mais evidente”. – Larissa Perre
É comum a mãe se culpar, procurar justificativas para sua perda e sentir que não é merecedora da maternidade. Muitas pessoas do seu círculo social não entendem o sofrimento, então, surge o silêncio, o luto abafado e a solidão da mulher. A psicoterapia, os amigos e a família são bem-vindos nesse momento. Contudo, cada experiência é individual, precisa de autocuidado e muito diálogo.
Como lidar com a perda gestacional
De modo geral, a sociedade não sabe como lidar com a morte e, muito menos, com o luto perinatal. É aquele famoso ditado: ‘o que os olhos não veem, o coração não sente’. Entretanto, o coração sente, sim e muito. É preciso começar a olhar para a questão com carinho, acolhimento da dor e se permitir sentir.
Como já dito, cada mulher enfrenta a situação de maneira diferente, por isso, não existe uma fórmula que funcione para todos os casos. Para passar pelas fases do luto, primeiramente, é preciso reconhecê-lo. Não se feche, converse com outras mães e, se possível, participe de grupos sobre o assunto nas redes sociais. Viva um dia de cada vez. Busca ajuda profissional. Conte com o apoio da família e amigos. A despedida é necessária independentemente do tempo de gestação.
A psicóloga Sandra Moura explica que “palavras de consolo como: ‘Vocês são jovens e logo terão outros filhos’, ou ‘Logo você engravida de novo.’ causam mais dor e sofrimento. Se você quer apoiar, deixa a mãe falar do seu filho, da sua perda, legitime sua dor”. No próximo tópico, continue aprendendo sobre o assunto.
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Como apoiar quem sofreu perda gestacional
A perda de um bebê pode ser algo bastante traumático para os pais. Nesse momento, contar com o apoio de pessoas queridas faz toda a diferença. Mas como oferecer acolhimento em um momento tão sensível? Confira abaixo:
O que fazer para apoiar a mãe
Seja presença. Quem passa por uma perda gestacional precisa de apoio, mesmo que às vezes tenha dificuldade para se abrir ou para pedir ajuda. Então, deixe claro que você está disponível para escutar, acolher e ser um ombro amigo. Reconheça o luto, valide as emoções da mamãe e respeite a dor. Você não precisa saber exatamente o que dizer ou fazer, o mais importante é não minimizar a perda.
O que não fazer nesse momento
Evite fingir que a perda nunca aconteceu. O bebê foi amado, esperado e merece ser lembrado. Ele sempre fará parte da vida da mulher. Além disso, não pergunte quando o próximo filho virá. De acordo com a psicóloga, “cabe a mãe e ao pai o tempo de desmontar o quartinho, o tempo de engravidar de novo e o tempo de recomeçar”. Não é legal ter que se preocupar com pressões externas em um momento tão delicado.
Lidar com o luto perinatal ainda é um desafio para a sociedade. A dor de perder um filho é real. Não tem como mudar os fatos, porém é possível mudar o modo como o assunto é tratado, por exemplo, conscientizando as pessoas a usaram a expressão perda gestacional em vez de aborto espontâneo, demonstrando apoio, falando sobre o assunto, entre outras formas.

Mercia Souza
Criadora de conteúdo otimizado para sites e blogs, formada em administração, apaixonada por palavras e cheia de histórias para contar. Mãe de cats, leitora e aspirante a escritora.