Sociedade

Xenofobia, o medo do desconhecido e a ignorância sociocultural

Canva

Em 24.08.22
push pixel

A sociedade brasileira vende uma imagem de país acolhedor e receptivo com estrangeiros, mas essas atitudes mudam quando a pessoa pertence a certos países ou regiões considerados por certos grupos como “inferiores” – social e/ou economicamente. Essa sensação de superioridade dá abertura para a ocorrência de xenofobia. A Dra. em Antropologia Joana Porto fala sobre a importância de se combater atitudes opressoras e aborda as principais dúvidas sobre o tema.

O que é xenofobia?

Para Porto, “a xenofobia é um sentimento de aversão, desconfiança, medo, antipatia e rejeição em relação ao estrangeiro que vem de outro país ou de fora de uma região”. Ou seja, xenofobia é um tipo de preconceito que se refere à discriminação contra estrangeiros e sua identidade nacional.

O ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) definiu a xenofobia como “atitudes, preconceitos e comportamentos que rejeitam, excluem e difamam as pessoas com base na percepção de que são estrangeiros à comunidade ou sociedade nacional”. Assim, pode ser percebida pela demonstração de ódio ao estrangeiro/migrante, com atitudes e comportamentos discriminatórios.

Esse preconceito costuma envolver a ideia de que existe um conflito entre um grupo interno de indivíduos e um grupo externo específico. Por exemplo, os árabes e muçulmanos são alvos desse preconceito na Europa; já os latinos, no geral, são alvo dos Estados Unidos. No Brasil, a xenofobia é direcionada para imigrantes venezuelanos, haitianos e a população oriunda do nordeste do país.

Tipos de xenofobia

Para elucidar ainda mais, Porto explica que existem dois tipos principais de xenofobia, mas ambos envolvem atitudes preconceituosas e comportamentos discriminatórios:

  • Xenofobia cultural: esse tipo envolve a rejeição a objetos, tradições ou símbolos que se associem a outro grupo ou nacionalidade diferente.
  • Xenofobia do imigrante: este tipo tem a ver com a rejeição de pessoas que o indivíduo xenófobo acredita não fazerem parte da sociedade.

A palavra ‘xenofobia’ surgiu na Grécia, pela junção de ‘xénos’ (estrangeiro ou estranho) e ‘phóbos’ (medo). Ou seja, ‘medo do diferente’ ou ‘medo do estrangeiro’. Mas, porque será que as pessoas sentem tanto medo do diferente? O próximo tópico tenta esclarecer essa questão.

Por que acontece a xenofobia?

Canva

Para a especialista, “um dos principais motivos para ocorrer a xenofobia é o medo do desconhecido, que acontece devido à ignorância sociocultural”. Porém, há vários outros motivos, sendo que um deles são os momentos de crise econômica, pois a questão econômica também é um parâmetro que cria dicotomia.

Além disso, o medo de perder status social também está envolvido, visto que a xenofobia se torna um modo de garantir uma identidade nacional, de manter uma superioridade em meio às dificuldades e a vontade de culpabilizar alguém pelos momentos de crise.

Porto afirma que “esse tipo de preconceito se manifesta por meio de comentários discriminatórios sobre determinado grupo com base na sua origem, políticas de governos de grupos estrangeiros específicos, intimidações e atos de violência contra pessoas e seus elementos culturais”.

Existe xenofobia no Brasil?

Apesar da variação cultural e étnica existente no Brasil – onde a maioria da população é descendente de povos indígenas, brancos europeus, africanos, muçulmanos, judeus e orientais – é perceptível a existência desse preconceito.

Publicidade

Em sua tese de mestrado, o pesquisador Reinaldo Venâncio afirma que “a recepção brasileira, tanto pública quanto particular, se apresenta acolhedora e garantidora de Direitos Humanos em um primeiro momento. Posteriormente, o comportamento social vai sendo alterado, à medida em que a onda imigratória se fortalece e passa a adquirir caráter permanente.

Apesar de toda a miscigenação presente no Brasil e dos avanços dos debates sobre o tema, esse preconceito continua crescendo devido à aliança entre racismo e xenofobia. Segundo Porto, “os imigrantes com tons de pele mais claros, como europeus e orientais, são bem recebidos, enquanto as populações negras e muçulmanas são rejeitadas incisivamente”.

Consequências da xenofobia

Canva

As pessoas migram por necessidade, pois precisam estar em um local diferente daquele de sua origem por desemprego, acidentes naturais ou guerras civis. Segundo a especialista, “esses indivíduos precisam da ajuda da população para se sentirem inseridos no âmbito social, e a exclusão social e marginalização dessas pessoas podem impactar negativamente na sua saúde”.

Por esse motivo, dificultar a inclusão dos estrangeiros é o mesmo que contribuir para um tratamento desigual e diferenciado. O comportamento do xenófobo traz efeitos socioeconômicos para a população e também consequências negativas para a saúde mental dos imigrantes.

Exemplos de xenofobia no dia a dia

Segundo Porto, “o xenófobo usa qualquer oportunidade para inferiorizar o imigrante”, por isso, é importante saber identificar esses momentos para se proteger ou repreender esses comportamentos. A seguir, veja alguns exemplos:

  • Piadas: o xenófobo cria ofensas em forma de ‘humor’. Provavelmente você está sofrendo de xenofobia se alguém faz piada com seu local de origem no intuito de diminuir ou menosprezar suas raízes.
  • Vigilância constante: se sentir constantemente observado é uma das características mais frequentes. Seguranças de shopping ou até mesmo pessoas que estão passando na rua perseguem estrangeiros para criar uma situação incômoda.
  • Perda ou recusa de emprego: você também está sofrendo xenofobia se é devidamente qualificado para um cargo, mas acaba perdendo a vaga pelo fato de ser estrangeiro.
  • Agressões físicas: em casos mais graves, a vítima pode sofrer agressão. Caso isso ocorra, é fundamental procurar a delegacia mais próxima e denunciar seu agressor, pois, segundo a Lei nº 7.716, xenofobia é crime.
  • Agressões verbais: é muito comum o xenófobo ofender verbalmente, como uma forma de intimidar e lesar a moral do estrangeiro.

Porto adverte que, “assim como o racismo, a xenofobia pode ser expressa de maneira muito sutil”. Assim, é comum que apenas os casos envolvendo agressões e violências mais sérias tenham maior relevância, enquanto os casos cotidianos são ignorados ou interpretados como uma ‘brincadeirinha’.

Xenofobia e racismo: qual a relação?

Muitas vezes, a xenofobia é associada a diversos outros tipos de discriminação. Dessa forma, o racismo não fica de fora, tendo em vista que ele é um tipo de preconceito associado às raças, etnias ou características físicas dos indivíduos. Na visão de Porto, afirma que “além da questão cultural, a xenofobia é bastante motivada pela questão racial”. Segundo a especialista, “a única diferença é que o racismo se refere ao desafeto pela raça, e a xenofobia se dá pelo desafeto ao estrangeiro/desconhecido”.

Publicidade

É muito comum que o racismo esteja por trás dos casos de xenofobia, pois, em alguns casos, é até difícil determinar até onde o preconceito xenofóbico existe por conta própria ou é baseado no racismo. Nesse sentido, Porto complementa que “quando há racismo na xenofobia, o que predomina no preconceito é a etnia”. Assim, é comum que os imigrantes europeus sofram menos com a xenofobia, enquanto os imigrantes negros são tratados com desdém.

O caso de Moïse, jovem congolês espancado até a morte em seu local de trabalho, pode ser interpretado como racismo e xenofobia. Na ocasião, a família de Moïse só foi informada de sua morte 12 horas após o ocorrido, deixando explícito o total descaso com a vida do jovem.

Como combater a xenofobia?

Canva

“O combate à xenofobia está no respeito às diferenças, sem usar da nacionalidade do outro como uma forma de recreação, de modo a menosprezar e discriminar”, inicia Porto. Além dessa mudança de pensamento, existem outras formas mais ativas de combater a xenofobia:

  • Aproximação: a aproximação e o diálogo com estrangeiros são a melhor forma de mergulhar e aprender mais sobre as outras culturas. Afinal, a ignorância sociocultural é a principal causa da xenofobia.
  • Palestras e debates: por meio de eventos de interação entre público e interlocutor é possível proporcionar diálogos e publicações que abordem o tema para a conscientização a sociedade.

  • Parcerias: as instituições também podem (e devem) criar projetos para a integração do estrangeiro na sociedade.
  • Ações positivas: ações que promovam a colaboração de outros povos para o desenvolvimento do país é uma forma de mostrar equidade.
  • Respeito: sobretudo, respeito e o combate ativo ao racismo também podem ajudar no controle da xenofobia.

Como você percebeu, criar consciência é uma forma de desmanchar a ignorância sociocultural, como o racismo e a xenofobia. Dessa forma, entenda o que é machismo, uma violência direcionada a mulheres.

Jornalista e mulher indígena. Integrante do coletivo de Mulheres Indígenas e Quilombolas da UFG. Faz pesquisas sobre cultura indígena e racismo. Apaixonada por gatos.