Bem-estar

6 benefícios da educação sexual para vida de crianças e adolescentes

Dicas de Mulher

Atualizado em 29.09.23
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A educação sexual sempre foi tratada como um tabu. De alguns anos para cá, diversas notícias falsas surgiram sobre o tema, fazendo com que ele fosse ainda mais desaprovada pelos pais e gerando dúvidas como: o que se aprende com isso? Como a matéria pode beneficiar a saúde dos jovens? Eliane Maio, professora da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Diversidade Sexual e Gênero (NUDISEX), discorre sobre o assunto.

O que realmente é a educação sexual?

A educação sexual, atualmente chamada educação em sexualidade, é uma matéria que contempla maneiras de ensinar sobre as expressões da sexualidade para crianças e adolescentes, tanto no âmbito familiar quanto escolar.

Eliane explica que “a educação em sexualidade é uma forma de trazer informações sobre as expressões sexuais”, sendo uma forma de “contribuir para uma expressão sexual saudável, visando possibilitar que a criança e o adolescente se expresse, pergunte e possa desenvolver-se adequadamente”.

A educação sexual também acontece em casa

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A conversa sobre sexo e sexualidade entre pais e filhos é sempre retratado como um momento tenso em filmes e séries, reafirmando um tabu estabelecido na sociedade. Entretanto, segundo Eliane, a educação sexual deveria partir de casa, visto que a informação vinda do núcleo familiar, é a mais adequada. “Como sempre digo: ela (a instrução familiar) é ‘olho no olho. É quando as pessoas que se gostam podem se expressar, e assim, a conversa flui mais rápido e com mais afeto.”

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5 dicas para abordar a educação sexual em casa

  • Seja compreensiva e acolhedora: Eliane afirma que a educação sexual deve vir de um ambiente afetivo, acolhedor, cuidadoso e carinhoso. Assim “a criança será educada com mais tranquilidade, compreendendo as questões que envolvem a sexualidade, visando a uma construção cognitiva muito mais adequada.”
  • Tire todas as dúvidas: é normal que existam dúvidas, e elas serão, provavelmente, muitas. O importante é manter a calma e buscar responder tudo que estiver ao seu alcance. A professora ainda explica não ter nada de errado caso você não saiba responder na hora. Assinale que irá pesquisar e volte com a resposta posteriormente.
  • Não faça muitos rodeios: pode ser complicado, ou até mesmo vergonhoso, falar sobre sexo e sexualidade. Entretanto, sua discussão é imprescindível e precisa ser tida como algo natural, como de fato é. A pesquisadora indica a adequação da linguagem segundo a idade da criança ou adolescente, mas mantendo um discurso direto e sem muitos tabus.
  • Deixe as metáforas de lado: poxa, esse adolescente já ouviu que os bebês vem de todos os lugares. Então, deixe as metáforas de lado e explique, com os nomes certos, tudo o que eles precisam saber e tem dúvidas.
  • Não deixe pra depois: algumas perguntas podem ser desconfortáveis de responder. Muitos pais explicam o básico e entendem que o resto a criança ou adolescente aprenderá quando tiver idade, sem saber ao certo quem explicará para ele depois. Isso abre brechas para desinformação ou informações falsas e prejudiciais.

A internet proporciona o acesso à informações em poucos cliques. Entretanto, tais dados podem ser, muitas vezes, falsos ou errados, fazendo-se muito importante o ato de checagem de fonte. As crianças e adolescentes não costumam procurar a veracidade das informações lidas, por isso, o apoio no círculo familiar serve como um filtro essencial.

A educação sexual nas escolas

A principal discussão entre pais, professores, políticos e pesquisadores da área da educação é a inserção ou não do assunto nas matérias escolares. Segundo Eliane, a educação sexual deve, sim, ser abordada na escola, visto que “há muitos aspectos que devem ser explicados, cientificamente, sobre o tema. E esta é a função da escola em todos os níveis de ensino, desde a Educação Infantil”, explica a professora. Confira outros motivos que validam a presença da matéria nos colégios!

Por que é importante falar sobre educação sexual nas escolas?

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  • Previne o abuso sexual: a educação sexual ensina à criança onde, quando e quem pode encostar nela ou não, desenvolvendo a ideia de consentimento e respeito, além de ensinar como reagir e a quem reportar, caso uma pessoa a toque de maneira inadequada. Isso ajuda a evitar casos de abuso sexual na infância.
  • Ensina sobre diferenças: na escola, ou até antes, muitas crianças já começam a se questionar sobre as diferenças entre os sexos feminino e masculino. Saber sobre as diferenças biológicas do corpo humano desde cedo, de forma natural e objetiva, sem moralismos e julgamentos, cria cidadãos mais consciente e respeitadores.
  • Ajuda a denunciar abusos: segundo dados do Ministério da Saúde, entre 2011 e 2017, houve um aumento de 83% nas notificações de violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, com mais de 184 mil novos casos registrados. A maioria das agressões acontece em casa, por conhecidos ou até mesmo familiares. Com um sistema de educação sexual dentro das escolas, as crianças podem relatar e buscar ajuda com seus professores em um ambiente seguro e confiável.
  • Previne doenças sexualmente transmissíveis: a educação sexual para crianças e adolescentes ajuda a prevenir diversas doenças, visto que a melhor forma de evitá-las é se protegendo. Com as informações sobre educação em sexualidade, o adolescente se conscientiza sobre os riscos de um sexo desprotegido e é instruído a como buscar maneiras de proteção, por exemplo, com as camisinhas gratuitas distribuídas pelo SUS.
  • Ensina o respeito pelo próprio corpo: muitos jovens aprendem sobre sexualidade através de pornografia e materiais que não expressam a realidade do sexo e dos corpos. Aprender sobre o tema em um ambiente seguro é importante para que eles se respeitem, respeitem seus futuros parceiros e não criem visões distorcidas sobre relações sexuais.
  • Previne gravidez precoce: a Organização Mundial da Saúde considera “gravidez precoce” quando uma menina engravida antes dos 19 anos. Os principais motivos para essa gravidez precoce ocorrer é a falta de acesso a métodos contraceptivos e desinformação sobre os mesmos. Escolas que oferecem aulas de educação sexual orientam os adolescentes sobre opções de contracepção, como cada um funciona e como ter acesso a eles.

A educação sexual é um direito de toda criança e adolescente. Ter um lugar seguro para poderem aprender sobre consentimento, sobre seus corpos e sobre segurança sexual, é fundamental para o desenvolvimento de um adulto saudável.

E o que a ciência fala sobre a educação sexual na escola?

A Organização das Nações Unidas (ONU) considera que a educação sexual está diretamente relacionada aos direitos das crianças e dos adolescentes. A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) também corroboram com essa ideia. Em parceria, as organizações criaram um guia com medidas que promovem habilidade socioemocionais e um estilo de vida saudável as crianças, incluindo a educação sexual como uma das formas.

Já a UNAIDS, programa das Nações Unidas criado para discutir o combate à AIDS, afirma em seu guia que a “educação sexual é um programa de ensino sobre os aspectos cognitivos, emocionais, físicos e sociais da sexualidade. Seu objetivo é equipar crianças e jovens com o conhecimento, habilidades, atitudes e valores que os empoderem para: vivenciar sua saúde, bem estar e dignidade; desenvolver relacionamentos sociais e sexuais respeitosos; considerar como suas escolhas afetam o bem estar próprio e dos outros; entender e garantir a proteção de seus direitos ao longo da vida”.

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Em tom uníssono, a professora Eliane explica existirem muitos benefícios de aprender a educação sexual na escola, como a ideia de estudar os órgãos sexuais sem tabu, de forma objetiva, como estudam o aparelho respiratório, excretor, digestório etc. Além disso, “uma criança bem educada sexualmente consegue se libertar de pessoas abusadoras. Ela saberá discernir entre os aspectos da sexualidade saudável e da abusiva. Ela saberá dizer não às violências corporais e pedir ajuda. No futuro, cuidará do corpo visando a não transmissão de IST, bem como a gravidez não planejada”.

Como funciona a educação sexual nas escolas brasileiras?

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Em 2019, a iniciativa PeNSE, Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, questionou adolescentes de 13 a 17 anos sobre diversos aspectos de sua saúde. Algumas perguntas geraram dados referentes à sexualidade de tais adolescentes, como, por exemplo, o fato de que 35,4% do total afirmarem que já tiveram relação sexual pelo menos uma vez na vida. Destes, 36,6% tinham 13 anos ou menos durante sua primeira experiência sexual.

Além disso, 82,1% dos estudantes afirmam ter recebido informações sobre doenças sexualmente transmissíveis nas escolas. 75,5% deles também receberam informações sobre a prevenção da gravidez precoce e apenas 67,6% receberam informações de como adquirir preservativos gratuitamente.

Os dados apontam que os adolescentes não estão completamente desamparados em relação à educação sexual. Porém, segundo Eliana, a qualidade das informações, o aprofundamento sobre o tema e as ações efetivas nas escolas brasileiras deixam muito a desejar. “Conheço poucos casos isolados em que professores chamam alguém de fora para dar palestra. O que pouco ou nada contribui, pois, a pessoa não participa do contexto escolar, os alunos nem sempre suprem suas dúvidas, e o tempo é curto. Seria necessário ter o assunto como conteúdo escolar, em todas as disciplinas, dialogando em conjunto.”

A educação sexual na escola não pretende apenas explicar sobre o ato sexual, mas também prevenir doenças e gravidez, melhorar a autoestima e a autoaceitação, naturalizar as diferenças entre os corpos, ensinar sobre consentimento e sobre questões de gênero e diversidade.

Como a educação sexual deveria ser?

Em um mundo ideal, Eliane explica que a educação sexual deveria ser compartilhada e debatida com toda a escola. “A merendeira, a zeladora, a secretária, etc. devem participar de cursos, eventos, estudos em grupo sobre este tema, pois a sexualidade se expressa em todos os lugares na escola. Desde a Educação Infantil até o Ensino Médio. Com estudos aprofundados, assim como se faz sobre alfabetização, meio ambiente, etc.”

A pesquisadora ainda afirma que a educação sexual é muito mais do que apenas falar sobre sexo. “Não é falar sobre ‘sexo’ e sim sobre ética, respeito, igualdade de direitos e de gênero. Por exemplo, eu sempre questiono, para que fazer fila de meninos e meninas para entrarem ou saírem da sala? Qual objetivo? A não ser o de segregar por gênero? São tantas questões que devem ser feitas sobre as questões de gênero, e deveriam dialogar sobre isso e agirem de forma diferente, respeitando a todas(os)”.

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Como é a educação sexual nas escolas de outros países?

A professora explica serem poucos os países que servem como modelo de educação sexual, porém alguns dão bons exemplos. Confira a seguir.

1. Holanda

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O país entende bem que a sexualidade é natural e saudável. Os programas de educação sexual são obrigatórios em todo o país. O tema é tratado desde os 4 anos de idade, mas claro, cada faixa etária tem uma abordagem específica. Os programas na Holanda incluem prevenção de ISTs e gravidez precoce, mas também falam sobre consenso e são baseados em um sistema de construção de respeito pelo corpo e sexualidade do próximo.

2. Alemanha

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Na Alemanha, a educação sexual também é obrigatória. Por lei, os 16 Estados Federais da Alemanha são obrigados a promover a educação sexual na escola em parceria com instituições de aconselhamento familiar. Os professores discutem sobre a igualdade de gênero, valores sociais, emoções relacionadas à sexualidade e relacionamentos, além dos aspectos biológicos.

3. Argentina

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Na Argentina, ensinar educação sexual também se tornou obrigatório. A lei contou com a aprovação de praticamente todos os partidos políticos. Aspectos biológicos, psicológicos, sociais, afetivos e éticos estão na grade da educação sexual do país.

4. Inglaterra

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Na Inglaterra, a educação sexual será ampliada e passará a cobrir diversos tópicos, como relacionamentos homoafetivos, transgêneros, menstruação, violência sexual, saúde mental, mutilação genital, casamento forçado, pornografia e sexting. Todas as escolas que recebem verbas públicas, incluindo escolas religiosas, são obrigadas a aplicar esse currículo.

5. Estados Unidos

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Nos Estados Unidos, cada estado tem suas próprias leis para educação sexual. Uma pesquisa feita pelo Reuters Health, afirma que 60% dos professores do país indicam a abstinência e não comentam sobre métodos contraceptivos. Porém, em alguns Estados, como na Flórida, orientação sexual e identidade de gênero são temas abordadas na escola.

A educação sexual ainda é tabu em vários países, mas a obrigatoriedade das aulas no currículo é o caminho para a desconstrução do tema e para formação de crianças e adolescentes conscientes.

5 coisas que NÃO fazem parte da educação sexual

A educação sexual sempre foi um tabu, porém, a partir de 2017, com a construção da forte campanha política da extrema-direita brasileira, várias fake news se espalharam e ganharam proporções por meio de veículos de comunicação e aplicativos como WhatsApp. Algumas dessas notícias falsas são:

O kit gay

O kit gay viralizou na internet a partir de falas do, então candidato a presidência, Jair Bolsonaro, no Jornal Nacional. Na teoria, o kit gay faria com que as crianças crescessem homossexuais. Esse kit nunca existiu e todas as invenções feitas em sua volta não tem nenhum embasamento científico. Ninguém pode se transformar em homossexual por influência, uma vez que se nasce homossexual, não se torna.

Ideologia de gênero

Eliane explica que “desde 2015, explodiu uma ‘onda’ de conservadorismo sobre as pautas tratadas pela educação em sexualidade. Esse conjunto de temas ganhou o título de ‘ideologia de gênero’. O discurso foi utilizado como pauta para as eleições, e para que evitar tais discussões nos Planos Municipais, Estaduais e Nacional de Educação. Ideologia de gênero não existe, nunca existiu. Não tem apoio científico nenhum”.

Erotização infantil

A educação sexual ensina à crianças e adolescentes sobre sexualidade de forma didática e objetiva. O debate da oportunidade a eles de tiram suas dúvidas e entenderem seu corpo. Além disso, para cada faixa etária existe uma abordagem correta. “Muitas informações falsas afirmam que, ao trabalharmos com educação em sexualidade, estaríamos ‘incentivando’ a erotização infantil, o que não é verdade”, pontua Eliane.

Incentivo ao sexo

“Se falarem sobre sexo, os jovens vão querer fazer sexo”, quem nunca ouviu essa frase? É o principal argumento da oposição. Além da frase ser uma falsa afirmação, a educação sexual apenas ensina como o jovem deve se proteger quando quiser e se sentir pronto para ter uma relação sexual. A curiosidade sobre esses aspectos da humanidade aparecerá, falem sobre ela na escola ou não.

Mudança de gênero

Assim como a erotização infantil, Eliane explica que mudar o gênero de uma criança é impossível. Talvez, algumas aulas de educação sexual possam ajudar a criança a se descobrir trans, ou não binária, porém nenhuma aula pode de fato mudar o gênero de uma criança.

A educação sexual aborda diversas faces da sexualidade, o que é muito importante para o desenvolvimentos de crianças e adolescentes saudáveis e maduros. Além disso, o entendimento da sexualidade forma pessoas conscientes, que entendem sobre consenso e não toleram assédio sexual.

Jornalista, escritora e aspirante a artista. Facinada por abelhas, plantas e artesanato. Naturalmente curiosa e investigativa. Se aventura nos mais diversos filmes e séries disponíveis online.