Sociedade

Violência patrimonial: uma violação de direitos humanos e domésticos

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Atualizado em 02.08.22
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A violência patrimonial é um tipo de violência doméstica muito comum, porém pouco discutida para além do movimento feminista (e até mesmo dentro dele). A invisibilidade ocorre pela normalização de comportamentos abusivos, vindos de familiares e cônjuges, que visam deixar a vítima em situação de dependência financeira. A seguir, entenda melhor o assunto, com explicações e apontamentos de uma advogada familiarista.

O que é a violência patrimonial?

Na Lei Maria da Penha, a violência patrimonial é descrita como um dos cinco tipos de violência contra a mulher em ambiente doméstico e familiar. Ela ocorre quando há subtração, retenção e destruição parcial ou total de bens, incluindo documentos pessoais, instrumentos de trabalho etc.

Como explica Juliana Iza Tavares, advogada familiarista (OAB/SE 14.596), “a legislação não protege somente as situações envolvendo relacionamentos amorosos, mas abrange qualquer ação ou omissão baseada em seu gênero, seja no âmbito da unidade doméstica, familiar, ou em qualquer relação íntima de afeto, independentemente de coabitação da vítima com o agressor”. Com outras palavras, sim, a violência patrimonial é um crime.

Lei Maria da Penha: um importante passo para a criminalização

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Para a advogada Juliana Tavares, a tipificação na Lei Maria da Penha ajuda a dar visibilidade ao crime, permitindo que mais pessoas possam reconhecer e denunciar casos de violência. “A tipificação legal produz conhecimento – social e judicial – sobre a existência da violência patrimonial e, quando ela ocorre, fica demonstrado, então, que é devida a proteção da mulher e a punição do agressor”, explica.

A lei prevê mais do que a punição dos agressores. Ela distingue os tipos de violência doméstica e estabelece a violência contra a mulher como violação dos direitos humanos. Além disso, há a promoção de medida protetiva de urgência, programas educacionais da população sobre questões de gênero, raça e etnia, formas de prevenção e políticas públicas, bem como a divulgação e sistematização de dados que ajudem no combate à violência contra a mulher.

Entretanto, há muito o que fazer para que a violência patrimonial possa ser combatida de forma mais eficiente. “Esse tipo de violência precisa, ainda, ser melhor descrita na lei e também precisa de uma maior divulgação social. Infelizmente, apesar de sua ocorrência ser comum, muitas mulheres não procuram auxílio, seja por desconhecimento ou preconceito social”, aponta a profissional.

Juliana explica que tais preconceitos ocorrem em três esferas: quando o agressor age sobre a vítima; quando representantes da justiça são preconceituosos durante um processo judicial; e pela própria sociedade, que julga a mulher por suas escolhas. Tudo isso torna ainda mais difícil expor a violência, pois a vítima não encontra apoio.

Como identificar uma situação de violência?

Esse tipo de abuso não ocorre sozinho. Na maioria das vezes, ele é acompanhado por outras violências, principalmente a psicológica. Ela e a dependência financeira são os instrumentos mais usados para manter a mulher submissa. Sem recursos para romper o ciclo de abuso, ainda que o reconheça, a vítima permanece em umrelacionamento tóxico.

Engana-se quem acha que o divórcio pode dar fim ao problema. Para muitas mulheres, esse momento é apenas mais um tormento. A advogada conta que é comum parceiros tentarem reter legalmente todos os bens, questionando o direito da mulher sobre eles. Há, ainda, aquelas que sofrem represálias após a separação, pois o ex-parceiro deixa de pagar pensão mesmo tendo recursos para isso.

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Com o objetivo de informar as mulheres, o Instituto Maria da Penha dispõe, em seu site, uma série de comportamentos comuns entre os agressores. No caso de crimes patrimoniais, são eles: o controle total do dinheiro (ou cartão de crédito); deixar de pagar pensão alimentícia; destruição de documentos pessoais da mulher (identidade, certidão de nascimento, diplomas); furto, extorsão e dano de bens; estelionato; privação de bens, valores ou recursos econômicos; e causar danos propositais aos objetos da mulher.

Como denunciar a violência patrimonial?

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Mulheres em situação de violência ou denúncias anônimas podem ser feitas pelo telefone, basta ligar para 180 em todo o território nacional. A Central de Atendimento à Mulher registra denúncias e oferece orientações, seja sobre o que fazer ou sobre a Lei Maria da Penha.

A polícia também pode ser acionada para intervir nessas situações, basta discar 190. Caso a vítima deseje registrar uma denúncia pessoalmente, procure uma delegacia da mulher ou a Defensoria Pública do seu estado. Há também a Casa da Mulher Brasileira, que reúne todos os serviços em um só lugar por meio de um atendimento humanizado e integrado. Hoje, há unidades em Campo Grande (MS), São Luís (MA), Boa Vista (RR), Fortaleza (CE), Curitiba (PR), São Paulo (SP) e Distrito Federal.

A invisibilidade passa pelo acesso à informação

Segundo Juliana Tavares, essa é uma violência de gênero muito comum, ainda que seja desconhecida por grande parte da sociedade. É que tais condutas têm raízes no machismo e no patriarcalismo, que há muito ditam os papeis e as relações entre homens e mulheres em sociedade. Logo, esse controle sobre a mulher é visto com naturalidade, o que dificulta o reconhecimento da situação de abuso.

“Não é raro, no divórcio de um casal, a mulher ser acusada, por terceiros, de ‘interesseira’ somente por buscar os seus direitos patrimoniais. O próprio agressor acredita estar certo ao reter bens comuns do casal, alegando que a ex-mulher não trabalhava e, dessa forma, não possui direitos patrimoniais sobre os bens”, explica a advogada.

De acordo com os dados divulgados pela plataforma EVA, a violência patrimonial corresponde a apenas 2,5% dos casos registrados em órgão de segurança pública em 2020. Mas esse número não é pouco, ele representa 24.387 casos no Brasil.

Entretanto, não refletem a realidade. Segundo a pesquisa, além dos subnotificadas, no Brasil, há poucos órgãos destinados à coleta e padronização de dados, bem como pouca divulgação ao público, o que dificulta o mapeamento. Infelizmente, uma falta de prioridade política que, muitas vezes e indiretamente, contribui para a propagação do machismo.

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Consequências da violência patrimonial na vida da mulher

A violência traz consequências em diversas áreas. Ela incide, por exemplo, no exercício de direitos fundamentais e nas relações sociais. Veja a seguir algumas dessas consequências:

Permanência em relacionamentos abusivos

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Como Juliana mencionou anteriormente, a dependência financeira é um dos principais motivos para as vítimas não romperem o ciclo de violência, pois elas não se vêem capazes de se sustentar sem o agressor.

Danos à carreira

Em muitos casos, a vítima deixa o emprego para evitar conflitos ou se vê obrigada a deixá-lo devido aos constantes danos ao material de trabalho.

Diretos básicos violados

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O dano aos documentos pessoais põe em risco alguns direitos fundamentais, como o direito ao voto, à educação e ao trabalho digno. Além disso, o fato de haver violência doméstica já viola os direitos humanos e o direito doméstico da mulher.

Rompimento das relações sociais

Conviver com amigos e familiares pode ser difícil ou negado à medida que a situação de violência se agrava, isolando a vítima para torná-la ainda mais dependente.

Perda de direitos econômicos

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Negar acesso às fontes de renda ou se apropriar delas de maneira indevida, com o objetivo de controlar ou provocar prejuízo à mulher, configura violação de direitos econômicos.

Além da violência patrimonial, vários outros tipos estão presentes na sociedade e, muitas vezes, passam despercebidos. Por isso, é muito importante se informar. Então, compartilhe essa matéria e aproveite para saber mais sobre a cultura do estupro.

Comunicadora, voluntária e empreendedora. Apaixonada por moda, leitura e horóscopos. Graduada em Comunicação Social - Jornalismo pela PUC-Rio, com domínio adicional em empreendedorismo.