Sociedade

Conquistas e desafios da participação de mulheres na política do Brasil

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Pesquisadora explica por que é importante ter mais mulheres na política, direitos conquistados e desafios do acesso feminino ao poder

Atualizado em 14.03.23
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Se alguém pedisse para você fechar os olhos e imaginar um político, em quem você pensaria? É provável que a imagem que venha a sua cabeça seja a de um homem branco, engravatado e com mais de 50 anos. É natural pensarmos assim, afinal, esse é o perfil da maior parte dos eleitos no Brasil.

Pouco a pouco, no entanto, isso tem mudado. Em 2022, o número de mulheres candidatas a cargos públicos bateu recorde: dados divulgados em agosto mostram que elas representam 33,3% do total de pessoas que concorrem às eleições, cujo primeiro turno acontecerá domingo, dia 2 de outubro.

Apesar do aumento do interesse de mulheres pela política, o número ainda é considerado baixo por ativistas e pesquisadores, que recordam que elas formam 53% do eleitorado brasileiro. Ou seja, apesar de mais da metade da população ser de mulheres, somente um terço das pessoas candidatas são do gênero feminino.

Entenda a seguir por quê a participação de mulheres na política é importante, relembre as principais conquistas femininas ao longo da história, veja como elas vêm sendo incentivadas a ingressarem nos cargos públicos e quais os principais desafios para que isso aconteça.

Por que precisamos de mais mulheres na política?

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Thaís Zschieschang é cientista política, mestre em psicologia social e pesquisadora em gênero e política pela PUC-SP. Ela é autora do livro ‘Mulheres e Política no Brasil’ (Dialética Editora) e explica ao Dicas de Mulher por que é tão necessário que mais pessoas do gênero feminino ocupem cargos públicos.

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Representatividade

Atualmente, só 13% dos cargos políticos são ocupados por mulheres. “O número melhora ou piora, dependendo se estamos falando do poder legislativo ou do executivo. Mas o total não chega a mais do que isso”, informa. Dessa porcentagem, menos da metade é composta por mulheres negras.

Sem o ponto de vista feminino, assuntos que dizem respeito às mulheres tendem a ser negligenciados e menos soluções para eles tendem a ser criadas.

Como exemplo, Thaís cita o acesso a absorventes para quem tem baixa renda. “Só conseguimos levantar esse tema enquanto política pública há três anos, conforme o número de mulheres na política aumentou. Antes, as discussões eram silenciadas. Homens não priorizam o assunto porque ele não faz parte do seu cotidiano”, argumenta.

Inovação

É comum no Brasil vermos sempre o mesmo perfil de pessoas ocuparem cargos políticos: homens brancos. Essa disparidade fica clara, por exemplo, entre os deputados.

Segundo o estudo ‘Desigualdade Racial nas Eleições Brasileiras’, divulgado em maio deste ano por pesquisadores do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), candidatos brancos têm pelo menos o dobro de chance de serem eleitos como deputados federais ou estaduais em comparação com aqueles que se declaram pretos ou pardos.

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“Muitas vezes, esses candidatos já vêm de famílias envolvidas com política ou fazem parte de grupos com mais facilidade de acesso a cargos de poder. Por terem sempre o mesmo perfil, acabam fazendo mais do mesmo e não inovam nos temas que são tratados. Faltam ideias e novos pontos de vista para estabelecer as prioridades”, opina Thaís.

Portanto, quando mulheres são eleitas, além de modificarem pouco a pouco este cenário, tornando as decisões mais iguais, elas também se tornam modelo e inspiração para que outras se interessem e ocupem estes espaços.

Mulheres na liderança: principais direitos já conquistados

Na visão de Thaís, tudo o que envolve a igualdade de gênero contribui, de alguma forma, para que um percentual maior de mulheres ocupe cargos de liderança.

“Normalmente, meninas são educadas para permanecer mais tempo no ambiente doméstico, praticando ações de cuidado. O esperado é que elas sejam submissas. Por mais que isso esteja mudando, a base da nossa sociedade ainda é assim. Com isso, mulheres são desacreditadas. Muitas não se sentem capazes de liderar um grupo, nem chefiar tomadas de decisões”, explica a pesquisadora.

A cada direito conquistado, um passo a mais é dado em direção à igualdade dos gêneros –e mais confiantes e livres as mulheres tendem a se sentir. Entre as principais conquistas citadas por Thaís estão:

  • Direito ao voto: em 1932, após décadas de mobilização de mulheres ativistas, foi concedido por meio do Decreto 21.076 o direito ao voto feminino, através da criação do Código Eleitoral. Em maio de 1933, a mulher brasileira votou e foi votada pela primeira vez em âmbito nacional.
  • Estatuto da Mulher Casada: em 1962, foi aprovada a Lei 4.121, que modificou o Código Civil vigente na época. Chamada de Estatuto da Mulher Casada, ela garantiu que a mulher não precisasse mais pedir autorização ao marido para trabalhar, receber herança e que, no caso de uma separação, pudesse solicitar a guarda dos filhos.
  • Divórcio: em 1977, o divórcio foi instituído de maneira oficial através de uma emenda constitucional, regulamentada pela lei 6515.
  • Enfrentamento à violência doméstica: em 2006, foi publicada a lei 11.340, conhecida como Maria da Penha, que oferece proteção às vítimas de violência doméstica. Em 2015, entrou em vigor a lei 13.104, que criminaliza o feminicídio: um assassinato que envolve violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher da vítima.
  • Combate à violência política: em 2021, entrou em vigor a lei 14.192, que torna crime os atos de humilhar, discriminar ou perseguir mulheres no âmbito político, além de divulgar fatos ou vídeos com conteúdo inverídico no período de campanha eleitoral.

O que são cotas de gênero e quais as suas implicações?

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Em 2009, a Lei nº 12.034 instituiu que cada partido ou coligação tivesse, no mínimo, 30% de candidaturas femininas na disputa para os cargos de deputados e vereadores.

Em 2018, uma nova regra passou a valer: os partidos também deveriam destinar, no mínimo, 30% do que recebem do fundo eleitoral para as candidatas.

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Porém, a cientista alerta que estes recursos muitas vezes são mal distribuídos. “Diversas candidatas se queixam de receber os valores faltando pouco tempo para a campanha acabar ou de que eles sequer chegam às suas mãos”, relata.

Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), até meados de setembro candidatos homens gastaram, em média, 88% a mais do que as mulheres em suas campanhas –o que demonstra que a legislação não vem sendo cumprida por todos os partidos nestas eleições.

Outra questão levantada quando o assunto são as cotas de gênero são as “candidatas-laranja”: quando as candidaturas femininas são lançadas apenas para cumprir a cota do partido, sem a intenção de que assumam os cargos. Muitas sequer chegam a fazer campanhas. “Isso mostra uma falha na implementação e na fiscalização desses direitos”, aponta.

Quais os principais desafios enfrentados por mulheres no campo político?

A seguir, a pesquisadora identifica os principais problemas que dificultam o acesso feminino às esferas de poder:

1. Identificação: pessoas do gênero feminino tendem a sentir que o ambiente político não é para elas e, por isso, não conseguem enxergar a si mesmas como potenciais agentes de mudança.

“Normalmente, quando um homem se posiciona de uma forma mais energética, ele é visto como líder, como alguém que sabe se impor. Já mulheres na mesma situação podem ser vistas como descontroladas, emotivas, exageradas. Desde cedo, não somos preparadas para disputas, para ocupar esses espaços”, detalha.

2. Acreditar na política: sabe aquela conversa de que todos os políticos são iguais, que nenhum deles presta e que o país não tem jeito? Tudo isso faz parte de um conjunto de ideias que geram desânimo na sociedade e faz com quem menos pessoas queiram se envolver com o tema.

“Para que mais mulheres se engajem, é preciso que acreditem nas instituições e no modelo que seguimos. Obviamente temos muitas coisas para melhorar, mas é necessário que percebam a estrutura como sendo boa o suficiente para promover melhorias”, diz.

Algo que ajuda nesse processo é se inspirar em outras pessoas do movimento: colegas que tenham boas práticas e que possam ser rede de apoio nas situações difíceis.

3. Tempo e custo de participação: é preciso levar em conta a profissão e a classe social da mulher em questão. Quanto custa seu deslocamento até as reuniões? Se ela tem filhos, tem com quem deixar as crianças? Caso seja a principal responsável pelas tarefas domésticas da casa, quanto tempo poderá destinar às demais atividades?

“Também é necessário lembrar que, uma vez que ingressam no ambiente político, muitas mulheres sentem a necessidade de se provar, se validar. Por isso, acabam dedicando mais horas do que os homens a estudar e se preparar”, aponta.

4. Violência política: costuma ser mais difícil para uma mulher expor a sua imagem do que para um homem. “As críticas a elas tendem a tocar em pontos mais pessoais, como a aparência ou a vida íntima do que às suas ideias e projetos”, explica a pesquisadora.

Também por isso, mulheres são mais atacadas do que homens na política, tanto em frequência quanto na violência. “Normalmente, quando um político recebe ameaças, elas costumam ser direcionadas à sua família, principalmente às filhas ou esposas. Já quando os papéis se invertem, são as próprias mulheres as mais atacadas, geralmente por homens que ameaçam matá-las ou violentá-las”, afirma a estudiosa.

5 mulheres na política brasileira

Há diversas mulheres de relevância na política nacional, não só para os direitos das mulheres, mas também para áreas como educação e saúde. Conheça algumas delas e inspire-se na hora de escolher seus candidatos e suas candidatas.

1. Celina Guimarães Viana

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Primeira eleitora do Brasil, ela nasceu em Mossoró (RN), em 15 de novembro de 1980. O Rio Grande do Norte foi o primeiro estado a estabelecer que não haveria distinção de sexo para votar, a partir da Lei N. 660, de 25 de novembro de 1927. Celina, que era professora, deu entrada a uma petição mesmo dia da efetivação da lei para que pudesse votar em seu município. Além disso, solicitou que outras mulheres também pudessem ter direito ao voto.

2. Alzira Soriano

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Luiza Alzira Teixeira de Soriano foi a primeira mulher a prefeita no Brasil e na América Latina, segundo ‘The New York Times’. Ela foi eleita em Lages, cidade do Rio Grande do Norte. No entanto, exerceu seu cargo por apenas um ano, deixando a função quando Getúlio Vargas foi eleito. Ainda assim, não abandonou a carreira política, foi vereadora três vezes em Jardim de Angicos, município de Lages.

3. Antonieta de Barros

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Além de ser a primeira deputada estadual negra do país em 1934, Antonieta de Barros foi a primeira deputada mulher de Santa Catarina. Além da carreira política, era professora, jornalista e escritora. Lutava pela educação e foi pioneira no movimento negro no Brasil. É dela a lei que oficializa o Dia do Professor, valorizando a profissão, dentre outras que concedem bolsas para cursos superiores e de magistério.

4. Luiza Erundina

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Eleita a primeira prefeita de São Paulo entre 1989 e 1993, Erundina governou uma das maiores metrópoles do mundo. Foi responsável por diversas ações políticas na educação e na saúde, principalmente em áreas periféricas. Dentre seus feitos, estão melhor salário e capacitação de professores, bem como a promoção da qualidade da merenda escolar.

5. Dilma Rousseff

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A primeira presidenta do Brasil, eleita em 2010 e reeleita 2014, foi guerrilheira durante a ditadura militar, sofreu torturas e foi presa. Sua carreira política também tem como marcos ter sido secretária de Minas e Energia no Rio Grande do Sul e, no governo Lula, ocupou a pasta de Minas e Energia e a chefia da Casa Civil. Em 2016, sofreu um impeachment.

As eleições estão se aproximando. Já decidiu em que confiar seu voto? Para te ajudar, confira algumas propostas dos principais candidatos a presidência no Brasil em 2022.

Jornalista há 10 anos, escreve sobre comportamento, sexualidade, maternidade, entretenimento e saúde. Adora contar histórias e, nas horas vagas, estuda sobre astrologia e espiritualidade.