Sociedade

A luta pela resistência no movimento negro

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Atualizado em 13.10.23
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A questão racial levanta diversos assuntos acerca do tema. Um deles é o movimento negro, que é responsável por diversas lutas e resistências do mundo. Você sabia que o primeiro movimento começou já na colonização? A doutora em Antropologia Marta Quintiliano e a advogada Maria Eduarda Santos compartilham seus conhecimentos sobre o assunto. Confira!

O que é o movimento negro?

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De acordo com Quintiliano, o movimento negro “existe desde o período escravocrata, na qual essas pessoas lutam por dignidade, inclusão social e oportunidades”. De forma geral, é possível definir o movimento negro atual como sendo uma síntese de um fenômeno que vem de séculos e reivindica direitos da população negra ao redor do mundo.

A antropóloga ainda explica que “existem diversos seguimentos dentro do movimento negro, então não podemos generalizar dizendo que existe apenas um movimento. Afinal, existe uma luta maior contra o racismo estrutural, que não nos possibilita ter acesso a determinados espaços sociais”.

O movimento negro também se faz bem mais presente, principalmente, nos países onde a população negra foi vítima da escravização. Ou seja, também partindo disso, “é uma força histórica que sempre visou alterar as situações de opressão vividas pelas pessoas negras”, como explicado por Quintiliano.

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O movimento negro pode ser compreendido como uma força histórica que busca alterar as situações de opressão vividas pelas pessoas negras. Entretanto, existem diversos segmentos dentro do próprio movimento, com diferentes especificidades. Apesar disso, todos os movimentos lutam contra algo muito maior e geral: o racismo.

Origem do movimento negro

Para entender o movimento, primeiro é preciso fazer um recorte temporal para contextualizar seu surgimento. Quintiliano explica que “o movimento negro surgiu a partir do momento quando o primeiro negro foi traficado para outro país”. No contexto brasileiro, “quando pessoas da África foram trazidas para a América, após uma trajetória muito desumana e violenta, e os homens e mulheres se recusaram a ser propriedade do homem colonizador”.

É nesse contexto que surgem os quilombos, importantes lugares de fuga, de liberdade e de organização de estratégias. Isso significa que “o movimento negro surgiu a partir de todo esse processo de fuga da escravidão”, afirma a antropóloga.

Para quem deseja estudar esse período mais a fundo, a autora Maria Beatriz Nascimento também fala sobre a importância dos quilombos no Brasil para a formação estratégica do povo negro. Para ela, esses povos mostram um apelo pela sobrevivência que perdura pelos dias atuais.

Diante disso, a pesquisadora reivindicava que as terras quilombolas fossem tituladas:

“Que os movimentos negros apurem onde existem terras ocupadas por comunidades negras, e providenciem por meio legais a aplicação da usucapião, evitando os problemas de usurpação das terras.”

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Maria Beatriz Nascimento (1983)

Infelizmente, essa titulação só passaria acontecer a partir de 1995, mais de 12 anos após seu apelo. Mesmo assim, é perceptível que o início das lutas desse movimento teve início na escravidão. Entretanto, só foi oficialmente reconhecido e estruturado como um fenômeno organizado no início do século XX, por conta da notoriedade de lideranças negras, como Malcolm X, Rosa Parks e, principalmente, Martin Luther King Jr.

Conquistas do movimento negro

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Ao longo do tempo, o movimento negro alcançou diversas conquistas. De acordo com Maria Eduarda Santos, uma das principais foi a lei que criminaliza o racismo. “O crime de racismo é a discriminação social direcionada a uma raça, cor, etnia, religião e na crença da existência de uma superioridade entre elas. Desta forma, a lei que disciplina o crime de racismo é a Lei n° 7.716/1989, que define o racismo como um crime inafiançável e imprescritível”, explica. Além dessa lei, o movimento também trouxe outras conquistas:

  • Lei n° 12.711/2012, sobre a lei de cotas: a lei que decreta que todas as instituições federais de ensino superior devem reservar, no mínimo, 50% das vagas de cada curso técnico e de graduação aos estudantes de escola pública, de baixa renda, pretos, pardos e indígenas, além de PCD’s.
  • Criação do Dia da Consciência Negra: a data faz referência à morte de Zumbi dos Palmares, o então líder do Quilombo dos Palmares, na região Nordeste do Brasil. Por isso, o dia 20 de novembro tornou-se a data para celebrar e relembrar a luta dos negros contra a opressão no Brasil.
  • Lei n° 10.639/2013: essa lei tornou obrigatória a inclusão da história e cultura afro-brasileira na grade curricular do ensino fundamental e ensino médio. Fazendo com que seja feita a discussão sobre a questão histórica dos temas afro-brasileiros.
  • Criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial: desde 2003, essa secretaria visa reconhecimento às lutas históricas dos movimentos afrodescendentes e indígenas sob o impulso do Plano de Ação de Durban, assinado pelo Brasil em 2001.

De acordo com Santos, “além das leis, existem medidas contra a discriminação racial, que podem ser potencializadas na educação infantil, demonstrando que determinadas atitudes são errôneas. Ela também pode ser aplicada em nosso dia a dia, através da não diferenciação das pessoas apenas pela cor de sua pele”, explica.

A advogada ainda destaca que “outra medida é a denúncia de casos racistas, sendo, na minha visão, o principal meio de diminuir o impacto que o racismo causa em nossas vidas”. Embora as conquistas alcançadas tenham sido importantes, ainda há a necessidade de se alcançar mais direitos para as pessoas racializadas. Por isso, siga para o próximo tópico e entenda a situação do Brasil.

Lembre-se:

Para denunciar casos de racismo, você pode discar o número 156 (opção7) e fazer boletim de ocorrência na delegacia de área.

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O movimento negro no Brasil

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Atualmente, o movimento negro no Brasil é bastante pluralizado. Além das pautas racionais, os movimentos brasileiros também se alinham com o feminismo, a luta pelos direitos LGBTQIA+ e tolerância religiosa.

Entretanto, apenas nos anos 1970 o movimento negro surgiu, de fato, no país. Impulsionado pela criação do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNU), em 1978, que incentivou a criação de alguns órgãos, como o Conselho de Participação, Desenvolvimento da Comunidade Negra e a criminalização da discriminação racial na Constituição de 1988. Após todo o processo de redemocratização do Brasil, o movimento negro se juntou a várias outras causas progressistas. Mas somente entre os anos 2003 e 2010 o movimento teve conquistas efetivadas, como a criação do SEPPIR e a Lei das Cotas.

Atualmente novas discussões estão surgindo, principalmente com a sociedade dando mais espaços a figuras e intelectuais negros. Por exemplo, os debates sobre apropriação cultural, embranquecimento e a cristianização de tradições afro-brasileiras. Além dos debates em torno do genocídio da população negra, principalmente das que moram em regiões periféricas dos grandes centros urbanos do país. As principais lideranças surgem como resultante das leis de cotas firmadas no início do século XXI. Dentre elas estão Djamila Ribeiro, Núbia Moreira e Marielle Franco.

O movimento negro no Brasil se tornou ainda mais forte durante a pandemia da covid-19, pois ela afetou ainda mais fortemente a população negra. Nesse contexto, várias personalidades do movimento começaram a discutir sobre o assunto e sobre o genocídio da população racializada do país. Estudiosos como Conceição Evaristo, Lélia Gonzalez e Silvio de Almeida, e artistas como Camila Pitanga, Emicida, Lázaro Ramos e Iza enfatizaram a importância de proteger a população negra durante o contexto de pandemia.

Assim, a história do movimento negro no país ainda segue sendo permeada de lutas e revoltas, mas atualmente a principal delas está sendo contra o racismo estrutural, que continua dizimando a população negra do Brasil.

Dica:

Se interessou pelo assunto e quer continuar estudando? Confira a lista de mulheres negras para você se inspirar, fique por dentro do conceito de dororidade e conheça alguns filmes sobre racismo que podem mudar sua forma de compreender as questões de raça no mundo.

Saiba mais sobre o movimento negro

O movimento negro é uma das principais estratégias de combate ao racismo, ao genocídio da população negra e periférica, a violência contra mulher negra e aos vários tipos de violência sofridas por negros no país. Veja a seleção de vídeos que podem te ajudar a entender mais sobre as questões levantadas e como combatê-las:

10 personalidades marcantes para a trajetória do movimento negro

Nesse vídeo, Olívia Santana apresenta 10 personalidades negras que influenciaram a população brasileira ao longo da história do Brasil. Repare que essas personalidades sempre se fizeram presentes na história do país, entretanto elas são pouco divulgadas.

O movimento negro e a importância da representatividade

Neste vídeo, Nátaly Neri explica a importância da representatividade no movimento negro, mais precisamente sobre o empoderamento estético e consciência racial. Para ela, é extremamente importante se descobrir pessoa negra para se sentir parte do movimento. Confira o relato!

Como se dá o genocídio da juventude negra

Neste vídeo, a professora e militante da frente Alternativa Preta, Adriana Moreira, fala sobre um tema importante: o genocídio da juventude negra e periférica nos grandes centros urbanos brasileiros. Afinal, a periferia é composta por pessoas negras justamente por causa de uma tentativa de segregação. Acompanhe!

Veja como o racismo estrutural impacta o movimento negro

Nesse vídeo, o filósofo, advogado e presidente do Instituto Luiz Gama, Silvio Almeida, fala sobre o conceito de racismo estrutural. Esse conceito é extremamente importante, pois o racismo pode estar presente na própria organização social. Saiba como detectá-lo e como combatê-lo neste vídeo.

O movimento negro é uma importante organização de luta e busca por melhor posicionamento social das pessoas negras. Um de seus principais segmentos é o feminismo negro. Se você se interessa por esses temas, que tal conferir livros feministas para iniciar os estudos?

Jornalista e mulher indígena. Integrante do coletivo de Mulheres Indígenas e Quilombolas da UFG. Faz pesquisas sobre cultura indígena e racismo. Apaixonada por gatos.