Sociedade

A interseccionalidade como base para novos feminismos

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Atualizado em 04.10.23
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Em 1989, a intelectual afro-estadunidense Kimberlé Crenshaw utilizou a palavra interseccionalidade para discutir problemas sociais relacionados à raça, classe, gênero etc. No Brasil, o conceito foi resgatado pela autora Carla Akotirene na coleção ‘Feminismos Plurais’.

A socióloga e professora Marivânia Conceição Araújo fala sobre o assunto e explica sua importância para as mulheres. Acompanhe!

Afinal, o que é interseccionalidade?

A socióloga Marivânia Araújo explica que a interseccionalidade coloca em pauta o problema das três opressões: raça, classe e gênero. Ela pontua que os três elementos estão interligados, assim, não é possível pensar a sociedade sem olhar para as questões estruturais de subordinação. Segundo Kimberlé Crenshaw, a pioneira do conceito:

“A interseccionalidade é uma conceituação do problema que busca capturar as consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos da subordinação. Ela trata especificamente da forma pela qual o racismo, o patriarcalismo, a opressão de classe e outros sistemas discriminatórios criam desigualdades básicas que estruturam as posições relativas de mulheres, raças, etnias, classes e outras”. – Kimberlé Crenshaw

Em resumo, a interseccionalidade possibilita uma reflexão das desigualdades por meio do intercruzamento de opressões sociais. Por exemplo, “imagina que duas pessoas, igualmente qualificadas, se candidatam para uma vaga de emprego, entretanto uma está estabilizada em uma classe com um capital social e cultural alguns níveis acima da outra. Provavelmente, a primeira pessoa entrará no mercado trabalho antes ou terá um salário melhor – esses privilégios são discutidos por meio da interseccionalidade. É disso que o conceito fala: de diferença, privilégio e opressão”, exemplificou a socióloga.

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A importância social da interseccionalidade

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Para Marivânia Araújo, a interseccionalidade é um instrumento fundamental à análise das relações sociais. Por meio da aplicação do conceito, é possível compreender a estrutura e o funcionamento dos sistemas de poder. “Ao invés de pensar raça, gênero e classe isoladamente, a interseccionalidade nos convida a pensar esses três elementos em conjunto, como eles incidem sobre a vida de algumas pessoas, principalmente das minorias sociais”. Carla Akotirene explica didaticamente a importância do termo:

“A interseccionalidade nos permite partir da avenida estruturada pelo racismo, capitalismo e cisheteropatriarcado, em seus múltiplos trânsitos, para revelar quais são as pessoas realmente acidentadas pela matriz de opressões”. – Carla Akotirene

A partir da citação acima, percebe-se que o conceito engloba diferentes discussões. Por exemplo: por que as mulheres negras estão nas posições de menor rendimento, salários baixos e de pouco prestígio? Isso não acontece por acaso. Essas mulheres são as vítimas majoritárias das três opressões. Não importa quão capacitadas e inteligentes elas sejam, o mercado de trabalho é excludente.

Segundo a socióloga, o prestígio independe da capacidade profissional. “Ele é reflexo das opressões. Por isso, é importante pensar as relações sociais a partir da interseccionalidade. Ela permite uma visão ampliada da nossa realidade e privilégios, bem como das desigualdades”.

A interseccionalidade e o feminismo

Quando o feminismo hegemônico fala “as mulheres”, essa expressão não é inclusiva, pois muitas ficam de fora. Marivânia Araújo explica que o discurso genérico parece incluir, porém é excludente. “Nesse caso, ficam de fora as mulheres com deficiência, negras, trans e pobres. O feminismo hegemônico vem de um lugar específico – da classe média e média alta – de mulheres brancas que reivindicam o direito à igualdade para elas”.

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O feminismo hegemônico fala de uma universalidade, como se existisse uma mulher universal. Na verdade, existem grupos com especificidades, problemas e necessidades diferentes. Por isso, sem a interseccionalidade, isto é, sem pensar a realidade social e cultural, a exclusão acontece. Segundo a socióloga, devido aos problemas da hegemonia, surgiram diferentes possibilidades de feminismo, assim, não há apenas uma bandeira de luta, há várias.

Uma das pautas do feminismo hegemônico é desvincular a mulher de uma imagem fragilizada, delicada, socialmente tratada como princesa. Entretanto, isso fala diretamente (na maioria das vezes, somente) com as mulheres brancas de classe média. As negras e pobres não são vistas assim, pelo contrário, elas são sexualizadas, tratadas como fortes e consideradas ‘menos femininas’.

Logo, quando o discurso genérico fala sobre abolir a fragilidade, muitas mulheres que nunca estiveram no padrão princesa pensam: ‘eu quero ser tratada como princesa e quero ter minha fragilidade reconhecida’. Assim, por meio da interseccionalidade, percebe-se que não é possível falar sobre feminismo sem abordar raça, gênero e classe.

Como foi visto, a interseccionalidade chama atenção para a multiplicidade de pessoas. Assim, é preciso reconhecer os privilégios das classes dominantes, validar a vivência e a luta de diferentes grupos, bem como respeitar o lugar de fala. Nas palavras de Angela Davis, “para o feminismo ser relevante, ele precisa ser antirracista e incluir todas as mulheres das mais diversas esferas”.