Entretenimento

Mulheres no surf brasileiro: uma forma de empoderamento

Yanca Costa, Michelle Des Bouillons e Erica Prado | Dicas de Mulher

As surfistas Yanca Costa, Michelle Des Bouillons e Erica Prado compartilham experiências e falam sobre representatividade

Atualizado em 30.11.23
push pixel

O surf é um esporte de mulheres destemidas e que encaram desafios. No Brasil, a modalidade feminina é bem-sucedida e começou a ganhar espaço com Roberta Borges, Tamira Damasceno, Fernanda Guerra, Maria Helena Beltrão e Neide Bezerra, isso lá em 1984.

Atualmente, outros nomes inspiram quem deseja se arriscar e enfrentar as ondas, como é o caso de Maya Gabeira, destaque mundial e pioneira no surfe de ondas grandes. O esporte radical está entre os mais praticados e não é a toa, afinal, o país conta com mais de 7 mil quilômetros de costa.

Segundo o Atlas do Esporte no Brasil, “Laila Werneck empresária, ex-surfista e idealizadora do projeto Circuito BR de Surf Feminino, ao anunciar oficialmente em 2002 o patrocínio da Petrobrás para o Primeiro Circuito, promoveu simultaneamente uma grande movimentação no mercado que passou a olhar com mais atenção para o nicho promissor”.

Apesar de muitas conquistas e nomes em quem se inspirar, elas ainda estão conquistando seu espaço e mostrando que as mulheres também se sentem à vontade em cima da prancha.

O Dicas de Mulher conversou com três surfistas: Yanca Costa, Michelle Des Bouillons e Erica Prado que compartilharam um pouco de sua trajetória com o esporte.

Publicidade

Yanca Costa e o surf desde a primeira infância

Yanca Costa / Arquivo Pessoal

Com 22 anos, Yanca surfa desde os 5 e tem o pai e irmão como seus maiores incentivadores. No começo tudo era apenas diversão, algo amador, até que ela teve um clique e decidiu que queria se tornar surfista profissional. “Quando eu ganhei uma etapa do cearense amador na categoria Open, na época como uma das melhores do Ceará, me deu um estalo querendo isso para a vida”, contou ela.

Para Costa, todas as pessoas vivem momentos desafiadores na carreira e isso não diferiria com ela. “Não ter patrocínio e lutar contra a própria mente para poder continuar a acreditar no seu sonho”, esses foram os maiores desafios vividos tanto que hoje ela conta com a ajuda de sua psicóloga, Camila Salustiano, para seguir firme e não desistir.

Apesar de jovem, a surfista já tem seus objetivos em mente, como estar na Championship Tour. Para isso, mantém seus treinos durante os campeonatos, no caso, a pré-temporada, e ainda tem acompanhamento na fisioterapia. Em algumas situações, a depender do local, opta por um treino específico. “Espero ser uma pessoa influente no surf, conseguir meus objetivos na minha carreira e ser feliz”, complementa.

Para Yanca “a vitória mais especial foi a etapa do Pro Júnior em Baía Formosa, 2014, minha primeira na WSL e também a última. Espero conseguir uma próxima logo”. Ela também afirma que “precisamos que acreditem mais na gente, é o que sinto no momento”.

Michelle Des Bouillons e sua família mergulhada no surf

Michelle Des Bouillons / Arquivo Pessoal

Publicidade

A carioca é filha de surfistas e, nas palavras dela, nasceu mergulhada no universo do surf. Além de se aventurar pelo esporte radical, é formada em Produção Audiovisual e é apresentadora de TV. Michelle conta: “comecei a surfar porque na minha família todo mundo surfa, meu pai, minha mãe, meus irmãos e, no caso, eu sou a caçula da família. Acho que comecei a surfar desde a barriga da minha mãe”.

Bouillons nunca teve dúvida em se envolver profissionalmente com o surf e tem no pai sua maior inspiração. Em relação aos esportes, em geral, ela afirma: “gosto do Ayrton Senna e da Serena Williams. Ayrton porque ele sempre inovou no esporte fazendo aquilo que parecia impossível. A Serena porque ela irradia uma força extremamente forte, ela parece ser uma mulher imbatível em todas as circunstâncias da vida”!

Quanto aos desafios, se identifica com Yanca, afirmando que eles sempre existirão, ainda mais no caso de um atleta profissional. Para ela “dificuldades nós sempre teremos nas nossas vidas, o importante é saber como lidar com isso e tentar de todas as formas enfrentar de uma maneira positiva”.

O momento mais desafiador vivido por Michelle aconteceu em 2020, quando teve uma lesão de grau 2 no joelho, ao surfar uma onda pesada em Saquarema. Ela teve que reaprender todos os movimentos e fortalecer o ligamento faltando apenas 3 meses para iniciar a temporada das ondas gigantes. “Em todo momento eu mantive o meu psicológico forte e positivo com a certeza de que eu iria voltar ainda mais forte”, conta.

Ao falar de vitórias, cita que a mais memorável foi quando “ganhei a medalha de Honra do pioneirismo feminino da Marinha do Brasil, entregue pelas mãos da capitã Sheila Aragão, por bravura e coragem. A Sheila foi uma das pioneiras, ingressando na primeira turma criada para as mulheres na Marinha do Brasil. Foram feitas apenas 66 medalhas e eu me sinto realmente muito honrada com esse reconhecimento”. Para Michelle, o esporte pode ser definido em três palavras: beleza, determinação e inclusão.

Erica Prado e a mulher negra no surf

Erica Prado / Arquivo Pessoal

Nascida no Rio de Janeiro, Erica se mudou para Itacaré, na Bahia, e foi lá que se apaixonou pelo surf. Ela surfa profissionalmente há mais de 10 anos e trabalha como jornalista especializada no esporte, mas optou por parar de competir. Além disso, também é responsável pelo Movimento Surfistas Negras, com o objetivo de ajudar meninas e mulheres negras a ingressarem e se profissionalizarem no surf.

“Comecei a surfar aos 12 anos, na cidade de Itacaré, litoral sul da Bahia, muito por incentivo do meu irmão e dos meus amigos mais próximos”, relata. Como a cidade sempre recebeu muitos eventos de surf, isso sempre a encantou, tanto que Prado afirma que “ainda na pré-adolescência comecei a participar de campeonatos, e o fato de ter a possibilidade de conhecer outras cidades, outras culturas, sempre me agradou muito. Foi isso que fez eu me apaixonar pelo surf”.

Publicidade

Ela conta que o que a motivou a surfar profissionalmente foi a ilusão de que poderia viver do esporte sem patrocínio, ter a oportunidade de conhecer o mundo com as competições. Quando estava na faculdade teve que optar entre o surfe e o jornalismo, acabou escolhendo a segunda opção, mas de forma profissional ela auxilia outros atletas. Nas palavras de Erica, “hoje continuo trabalhando com surfe, mas não competindo. Trabalho com projetos, com atletas, com eventos. Então o surfe permanece na minha vida profissionalmente, mas não nas competições”.

Para Prado, o momento mais desafiador de sua carreira foi esse, o de tomar a decisão de parar de competir profissionalmente. “Foi fechar um ciclo para me dedicar a outro, passei alguns meses amadurecendo a ideia de que eu ia parar de competir e aí, no ano seguinte, por falta de patrocinadores, o circuito acabou e refleti que parei no momento certo”. Ela também acredita que “três palavras que definem bem o surf feminino brasileiro são: evolução, determinação e resistência”.

Uma modalidade olímpica que empodera mulheres

As três entrevistadas concordam que o surf ter se tornado modalidade olímpica é algo muito positivo. Yanca acredita que envolve uma grande responsabilidade, pois todas as pessoas estão te assistindo, tanto que não pretende participar dos jogos olímpicos em 2024. Nas palavras dela, “ainda falta muito para evoluir, mas espero um dia estar lá representando o Brasil”.

Para Michelle, competir nos jogos olímpicos é o auge de um atleta, uma emoção incalculável. No entanto, como ela surfa ondas gigantes, acredita que essa modalidade mais específica vai demorar um pouco para chegar nas Olimpíadas.

Por outro lado, apesar da fase positiva, Érica trouxe uma questão pouco comentada, percebida por ela como jornalista esportiva ligada ao surf. “Muitas mulheres sofrem com a falta de patrocínio, com obstáculos como a Tita Tavares vivenciou há vinte anos, por exemplo, ou que Silvana Lima sofreu há dez anos. Acho que tem muita coisa para melhorar, mas comparando com o passado a gente caminhou bastante”.

Elas também afirmam que o surf é uma forma de empoderamento feminino e que o cenário no esporte tem evoluído cada vez mais. Não apenas com mais surfistas, mas com mulheres envolvidas em outras áreas das competições como juízas, treinadoras e, no caso de Érica, jornalistas esportivas especializadas em surf.

Para Yanca, “a sensação de sair de um surf, é como se tivesse lavado a alma e estou pronta para qualquer coisa”. Já Michelle afirma que “o surf empodera muito as mulheres, sim, independente do nível que ela tenha. Cada onda que a gente pega é um desafio e uma superação. Acredito que isso reflete muito na nossa vida fora d’água”! Além disso, complementa que “o surf feminino não para de evoluir, isso está nítido para quem quiser ver. Com a nossa força e determinação estamos ganhando cada vez mais espaço, admiração e respeito no cenário do esporte”.

Érica comenta que “o esporte cresceu, está mais profissional. Hoje em dia a gente vê muitos movimentos de surfe feminino, sendo essenciais para empoderar as mulheres”.

O desafio das ondas gigantes

Michelle é a única envolvida com ondas gigantes, no caso, são aquelas que chegam a mais de 20 metros de altura, muito mais desafiadoras em comparação as ondas tradicionais. Para ela, o surf proporciona muitos momentos especiais, como as aventuras na busca da onda perfeita. Ela conta que sempre admirou o surf de ondas grandes e desde pequena se encantava com filmes relacionados ao esporte, ou seja, sempre teve aquela vontade dentro dela.

Foi quando estava morando sozinha na França que passou a refletir sobre sua carreira como surfista profissional e percebeu que precisa se desafiar. “Decidi tentar, e logo nas minhas primeiras experiências eu amei. Me identifiquei com toda aquela adrenalina, o surf de ondas gigantes é um outro universo. Comecei a me preparar, investir e direcionar minha vida totalmente para isso. Hoje em dia faço parte de uma das melhores equipes do mundo junto ao meu parceiro, Ian Cosenza, e ao meu grande amigo, Lucas Chumbo, além de outros profissionais incríveis ligados a esse esporte”.

A surfista conta que o preparo físico é indispensável para lidar com este tipo de ondas, além de ajudar a dar mais confiança. Não é apenas a apneia que precisa estar em dia, mas é preciso ter força para aguentar o impacto das ondas. “Trabalhamos muito a perna na hora de descer as ondas com toda a velocidade gerada e junto a isso com uma prancha super pesada, com 9 a 10 kg, nos pés. Também os braços quando estamos na corda sendo rebocados pelo jet ski ou na hora de pilotar”.

Ela ressalta a questão de cuidar do psicológico e não se pressionar. Apesar de surfar profissionalmente, o objetivo é se divertir, assim se não quiser pegar uma onda ela pode dizer não, sabe que não é obrigada. “Dessa forma eu fico muito mais relaxada para me superar e surfar ondas cada vez maiores, eu detesto me sentir pressionada a fazer alguma coisa”!

Referências e inspirações

Como muitos esportistas em ascensão na carreira, Yanca, Michelle e Érica têm suas inspirações. A primeira tem duas referências, “a Coco Ho e a Jaqueline Carvalho, são duas pessoas que me inspiro muito pela história delas”.

Já Prado tem várias, tanto que conta que sempre gostou de ver a Silvana Lima surfando, por ter uma técnica progressiva e diferenciada. “Quando eu era mais nova e competia eu me inspirava muito na Suelen Maraísa e na Tita Tavares. Das gringas a Stephanie Dilmor”. Ela também tem como inspiração a idealizadora do projeto TPM, Todas Para o Mar.

Michelle falou que “como atleta eu pretendo ser uma inspiração para a nova geração feminina e também para mulheres que gostam de superar desafios . Aos poucos estou montando a minha marca de Surf & Fashion, já comecei a desenvolver a minha linha de pranchas de surfe, uma vez estruturada, quero investir mais no esporte, apoiando algumas atletas e campeonatos de surfe no Brasil”.

Escritora com 8 livros publicados e apresentadora de um programa de rádio sobre literatura nacional, o Capivaras Leitoras. Ama ler, viajar e passar um tempo com a Buffy, sua cachorrinha vira-lata.