Dinheiro e Carreira

Liderança de mulheres negras em startups muda o curso da história

Eurides Nascimento, Karine Oliveira e Priscila Vitório | Dicas de Mulher

Três mulheres negras fundadoras de startups compartilham suas histórias e indicam iniciativas que auxiliam quem quer empreender

Atualizado em 17.07.23
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Priscila Vitório, Karine Oliveira e Eurídes Nascimento possuem algumas coisas em comum: são mulheres negras, nascidas na região de Salvador (BA) e atingiram o sucesso profissional como fundadoras de startups. Cada uma com suas histórias particulares e diversas, são três casos de sucesso de mulheres negras que, contra todas as estatísticas, conseguiram conquistas importantes.

Como pontua Karine, é importante lembrar que pessoas negras notórias não são histórias únicas, ainda que o mercado tente representar dessa forma: “hoje, o mercado tem toda uma estrutura para sempre colocar pessoas como eu, e outras pessoas pretas que são notórias, como se fosse aquela história única, que tem que ser a primeira em alguma coisa para que se torne única”.

Elas conversaram com o Dicas de Mulher para compartilhar sobre suas carreiras e iniciativas de incentivo e fomento ao empreendedorismo negro que buscam reduzir as desigualdades e criar oportunidades para populações marginalizadas.

O sucesso contra todos os desafios

Karine Oliveira compartilha que uma das conquistas de que mais se orgulha é “ter conseguido crescer em território nacional sem precisar sair de Salvador e isso é uma das coisas que eu mais me orgulho, de verdade, de ter conseguido”.

Nascida em Engenho Velho da Federação, ela recorda que começou a trabalhar ajudando sua mãe com economia solidária, “a gente trabalhava auxiliando grupos como cooperativa, associações marisqueiras, pescadores a fazer geração de renda”.

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Foi só em 2016 que ela começou a estudar sobre empreendedorismo, durante o qual uma das suas maiores dificuldades foi a compreensão de termos técnicos e termos em inglês “daí surgiu a ideia de tradução de conteúdos que hoje é o que a Wakanda faz”, esclarece.

Por meio da Wakanda Educação, são traduzidos conteúdos de negócios, como uma forma de impulsionar o trabalho de empreendedores periféricos, como “uma válvula propulsora para que as pessoas pudessem aprender mais e ter menos dificuldade na absorção do conteúdo”. Essa é uma forma de democratizar o acesso ao conhecimento, quebrando a barreira linguística.

Também é dar voz às pessoas, o que move o trabalho de Priscila Vitório, criadora da Destrave.Biz, startup de impacto para músicos independentes sem fins lucrativos, que “existe para dar continuidade a esse movimento empoderando artistas negros, indígenas e periféricos que fazem música não só para levar alegria e entretenimento, mas para manter viva a nossa história e a nossa cultura através da música”.

Vitório nasceu no bairro do Uruguai, que ela destaca ter sido “imortalizado nos anos 90 pela música dos Paralamas do Sucesso e que falava que a esperança vem das antenas da TV e da arte de viver da fé, essa música define muito bem onde tudo começou na minha vida”. Ela compartilha que sempre quis trabalhar com comunicação “muito influenciada pela tv aberta que quando criança era a única janela do mundo para além da minha comunidade”.

Tendo vindo da periferia de Salvador, Vitorio chama atenção para suas conquistas, tendo em vista que ela concluiu “o ensino médio no turno da noite numa escola pública depois de uma longa jornada de trabalho, cujo salário não era suficiente para pagar a mensalidade da minha faculdade, conquistei a oportunidade de colaborar em uma gigante global da tecnologia”.

Falta de investimentos e oportunidades

Enquanto o setor da tecnologia cresce, mulheres e negros ainda precisam lutar para vencer as desigualdades. Vitorio cita que “Uma pesquisa do Instituto Ethos com as 500 empresas de maior faturamento do Brasil aponta que os negros são de 57% a 58% dos aprendizes e trainees, mas na gerência eles são 6,3%. No quadro executivo, a proporção é ainda menor: apenas 4,7% são negros”, como um quadro dos desafios ainda existentes.

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As mulheres também enfrentam maiores dificuldades para conseguir empréstimos e financiamentos para investir em iniciativas e se tornar empreendedoras. Elas são vistas como não confiáveis pelo mercado financeiro, por isso Eurídes destaca que a sociedade pensa de forma que “ninguém vai colocar um dinheiro na mão de uma mulher. Se essa mulher for negra, o recorte pesa.”

Percepção de mundo reforçada pelo estudo da Rede Mulher Empreendedora, realizado entre maio e junho de 2021, que mostra que 42% das empreendedoras brasileiras que realizaram solicitações de crédito tiveram seus pedidos negados. Isso acontece apesar de 7 em cada 10 mulheres empreendedoras relatarem que são totalmente ou parcialmente independentes.

Desigualdades sociais

Apesar do crescimento no número de mulheres à frente de startups no Brasil, apenas 4,7% dessas empresas foram fundadas por mulheres, seguindo o Female Founders Report de 2021. Representatividade que cai ainda mais quando se trata de mulheres negras, que representam apenas 19,1% do total, sendo 5,8% pretas e 13,3% pardas.

Essa desigualdade é impulsionada por uma sociedade que ainda não oferece oportunidades igualitárias para mulheres brancas e negras. Priscila Vitório explica que “quando nascemos mulher de pele preta e periférica a sociedade faz questão de te lembrar que você foi colocada em desvantagem, digo isso porque mesmo depois de ter uma carreira consolidada, ocupando posição de liderança, gerando resultados positivos para a companhia e mesmo assim precisava driblar as barreiras de lideranças machistas e racistas no dia a dia”.

Ela desenvolve que, mais do que se falar sobre diversidade no âmbito empresarial, é necessário trabalhar na construção do “senso de pertencimento nos espaços empresariais que ainda possuem pessoas brancas em sua maioria, apesar da evolução desta pauta, muito impulsionada pelas diretrizes de ESG que cobram um compromisso de promover diversidade das empresas”.

Assim, as pessoas negras que conseguem ocupar esses espaços, precisam lidar no dia a dia com um ambiente que pode causar conflitos emocionais “muitos negros como eu já sofreram racismo e hoje estão começando a se empoderar nos espaços majoritariamente brancos construindo auto estima na terapia, como eu”.

A falta de representação nesses espaços, dificulta que mulheres negras acreditem que podem chegar lá e coloquem seus esforços nisso. Eurídes Nascimento explica que “a gente não se vê, não tem uma autoimagem de líder”, isso porque a imagem de líder é ligada a masculinidade “o líder ele é masculino, masculino e branco, e se ele não for um líder branco, ele vai ser um líder preto, um homem”.

Karine Oliveira também reforça que existe toda uma estrutura racial que dificulta o acesso das pessoas negras aos meios necessários para crescimento, como informações, dinheiro para investimento e networking. Com a Wakanda, ela busca mudar esse cenário e criar oportunidades para pessoas negras.

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Além disso ela explica que muitas vezes, para trabalhar com pessoas pretas, eu preciso de uma lógica diferente, eu preciso de uma lógica que seja acolhedora, que seja representativa, para que a gente realmente possa ter condições de dar o nosso melhor, sabe? De só ser talentoso como a gente já é”.

Projetos que buscam mudar o jogo

Ter mais mulheres negras em cargos de gestão e de liderança em startups é uma forma de criar mais oportunidades para outras mulheres. Vitorio explica que “gestão feminina favorece a diversidade tornando os negócios socialmente sustentáveis, reduzindo as desigualdades nas oportunidades de crescimento profissional para outras mulheres e também ampliando as perspectivas de inovação através da diversidade de vivências e opiniões”.

Além disso, ela destaca que “a tendência é que mulheres priorizem outras mulheres na hora de contratar fazendo dessa uma cadeia de crescimento sustentável que impacta diferentes áreas relacionadas ao negócio principal”. Oliveira também fala sobre a importância de lideranças negras, como uma forma de possibilitar a criação de “iniciativas, produtos, soluções e sejam efetivas pra população”.

Vitório destaca que suas conquistas só foram possíveis com a ação da “luta coletiva que acontece nos bastidores onde outras mulheres pretas e aliadas estão lutando todos os dias para priorizar a contratação e criando uma rede de apoio profissional e emocional para que essa transformação no mercado de trabalho seja possível”.

Iniciativas como a dela e de Karine Oliveira, ajudam na criação de oportunidades para pessoas negras no mercado. Além do Destrava.biz e da Wakanda Educação, as entrevistadas listam uma série de projetos que incentivam empreendedoras:

  • Preta Hub: funciona desde 2018 como um hub de criatividade com sua relação com a economia e o empreendedorismo.
  • Vale do Dendê: iniciativa de impacto social que fomenta a inovação e a criatividade com foco na diversidade.
  • BlackRocks: uma aceleradora de startups com objetivo viabilizar o acesso da população negra a ambientes tecnológicos e inovadores, por meio da conexão entre empreendedores e capital, além de viabilizar oportunidades nesse mercado.
  • Afroimpacto: escola de empreendedorismo com objetivo de democratizar conteúdos para empreendedores negros.
  • Mercado Black Money: trata-se de um marketplace, isto é, uma plataforma on-line que permite a conexão entre consumidores e empreendedores negros.
  • UX para Minas Petras: uma edtech que capacita e conecta mulheres negras no mercado de tecnologia e UX, que tem como objetivo profissionalizá-las, aumentar a empregabilidade e reduzir as desigualdades no mercado tecnológico.
  • Pagode por Elas: plataforma que promove cursos, gera empregos e ajuda a dar visibilidade às mulheres do pagode baiano, sendo o primeiro canal de conexão para cantoras desse gênero musical.

Mais do que a existência de projetos, vale lembrar que existem muitas mulheres negras à frente deles. A seguir, confira outros nomes importantes do empreendedorismo.

7 empreendedoras negras para se inspirar

Confira outras 7 empreendedoras negras criadoras de startups de destaque em diversas áreas de atuação, para se inspirar a empreender e conhecer mais sobre o trabalho de mulheres que trabalham para fazer a diferença na sociedade.

1. Nina Silva – D’Black Bank

Executiva especialista em tecnologia da informação, Nina Silva foi eleita como a mulher mais disruptiva do mundo pelo Women in Tech Global Awards (2021) e é fundadora e diretora-executiva da fintech D’Black Bank (DBB). A startup funciona conectando consumidores a empreendedores negros através de serviços financeiros digitais. Fundada em 2018, a DBB é uma iniciativa de impacto social para justiça econômica, descrita em sua página do LinkedIn como “o instrumento revolucionário para libertação real da comunidade negra após 130 anos da farsa abolicionista”.

2. Itala Herta – Diver.SSA

Formada em relações públicas, Itala Herta trabalha há 15 anos com projetos interculturais de inovação social. Ela é fundadora da startup Diver.SSA que é uma plataforma de aprendizagem, conexão e investimento com objetivo de fomentar o empreendedorismo feminino de impacto social nas regiões Norte e Nordeste do país. Fundada em 2019, a iniciativa tem uma metodologia própria chamada acolhimento estratégico, que vai na contramão do pensamento hegemônico e acolhe mulheres, principalmente negras, periféricas, indígenas, mães e transsexuais.

3. Caroline Moreira – Negras Plurais

Graduada em Ciências Contábeis, consultora de diversidade racial, palestrante e mentora, Caroline Moreira é a fundadora e CEO da Negras Plurais. A startup possui atuação focada em treinamento profissional e é a maior rede de mulheres negras empreendedoras do país. A iniciativa estimula a conexão entre elas, reunindo profissionais de diversas áreas para trocar experiências.

4. Priscila Gama – Malalai

Embora seja formada em arquitetura, Priscila Gama, motivada pela indignação ao ler um relato de violência sexual, criou uma startup desenvolvedora de tecnologia de segurança pessoal feminina, a Malalai. Fundada em 2015, a iniciativa funciona por aplicativo e wearable com três frentes de atuação: prevenção, por meio do mapeamento colaborativo de rotas seguras; conforto cognitivo, com o trabalho de uma companhia virtual e emergência; e mediante um hardware para situações de pânico.

5. Janine Rodrigues – Piraporiando

Escritora e educadora, Janine Rodrigues é formada em Gestão Socioambiental e foi eleita pela Forbes uma das 12 pessoas negras inovadoras na elevação da qualidade da educação brasileira. Ela fundou e é diretora da Piraporiando – Educação para a diversidade, uma startup de educação que cria conteúdos e experiências antibullying, antiracistas, antipreconceito e de promoção da equidade de gênero. A Edtech, é considerada uma das 10 mais importantes de toda a América Latina.

6. Mia Lopes – Afro Esporte

A jornalista Mia Lopes é vencedora do Prêmio Maria Felipa, que decora mulheres negras jornalistas. A profissional é fundadora e CEO da Afro Esporte, primeiro laboratório de produção de conteúdo, curadoria e gerenciamento de carreira com foco em atletas negros, negras e LGBTQIAP+.

7. Taynara Alves – InQuímica

A pesquisadora da área da química, Taynara Alves, procura usar a ciência para solucionar problemas que afetam a sociedade. Foi assim, que em 2017 ela criou a InQuímica, uma startup que desenvolveu uma solução líquida que promete retirar até 85% de metais pesados presentes em frutas, verduras e legumes. A solução é chamada InAgro e atua na remoção de agrotóxicos desses produtos.

Sentiu-se empoderada pelo trabalho dessas empreendedoras? Confira também essa matéria sobre os desafios diários de mulheres em profissões que são convencionadas como “masculinas” pela sociedade.

Jornalista e produtora de conteúdo. Fã de cultura POP com interesse em Estudos Culturais, tentando acumular o maior número possível de hobbies nas horas vagas.