Moda e Beleza

Anel de coquinho: liberdade, igualdade e resistência

Dicas de Mulher

Atualizado em 02.02.24

Ela disse que o anel de coquinho era muito mais importante que uma aliança convencional (na verdade, a gente não tinha dinheiro para comprar uma prata fina). E eu respondi – sim, aceito! Então, o anel se tornou um símbolo secreto do meu primeiro amor. Uma linguagem silenciosa para dizer – sou sapatão.

O namoro acabou, o anel se perdeu, a memória ficou. Dias desses, estava andando de bike em uma avenida grande da cidade, parei para beber caldo de cana. Ao lado da barraquinha, o artesão esfregava cuidadosamente uma esfera preta em uma lixa. Puxei prosa: é anel de coquinho? Bom de papo, o rapaz disse que sim: ‘um amigo lá do norte me ensinou. Isso aqui você compra e presenteia alguém muito especial. É poderoso’.

Não comprei, mas voltei para casa com boas lembranças ressoando. De algum modo, o anel foi poderoso para mim. Mesmo sem saber todo seu significado e origem, foi coragem. Pertencimento. Amor. Comecei a pesquisar mais profundamente sobre o assunto, e já deixo registrado: na vida, nos relacionamentos, em todas as alianças e coletividades em que eu estiver inserida, não aceito nada menos que um anel de coquinho!

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Origem do anel de tucum: compromisso com as causas populares

O tucum é uma espécie de palmeira, com o caule coberto de espinhos, muito comum na Amazônia. Do tupi, a palavra significa “agulha para costura” – povos indígenas usavam o espinho da planta para tal fim. Da semente do fruto, faz-se o anel de tucum, popularmente conhecido como anel de coquinho.

Na época do Império, ali por volta do século XIX, os senhores de engenho oficializavam o matrimônio presenteado as mulheres com alianças de ouro e pedras preciosas. Quanto maior o diamante, maior o amor? Não necessariamente. A posição social pesa no dedo anelar.

Uma das versões da origem do anel de tucum está atrelada aos indígenas e escravos. Eles usavam o anel como símbolo de matrimônio e amor verdadeiro. Simples, humilde, feito por mãos humanas e calejadas. Outra versão aponta que os missionários da Teologia da Libertação (principalmente na década 1970) usavam o anel como símbolo de comprometimento com os pobres.

A sabedoria do anel foi passando de geração em geração. Com o tempo, sua história ganhou ressignificações sem perder a simbologia original. Na linha cronológica, em um extremo, a riqueza dos monarcas, latifundiários e grandes empresários – os detentores do money. No outro, os indígenas, escravos, pobres e pessoas à margem da sociedade – usar o anel de coquinho é firmar um compromisso com a luta contra as injustiças.

Significado do anel de coquinho: lembrar do que é importante

Tukumã (a palmeira que conhecemos como tucum) ganhou a fama de fênix da Amazônia. Ela gosta do interior da floresta e de terra firme, chegando a 10 metros de altura e produzindo em abundância cachos fartos de frutos. Nas queimadas, cada dia, mais constantes e preocupantes, suas sementes caem ao solo, germinam e, como o pássaro da mitologia grega, o verde renasce nas áreas destruídas pelo fogo, pelo ser humano. Por isso, é símbolo de resiliência, luta e esperança.

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O anel de coquinho traz em si a essência simbólica de sua palmeira-mãe. No filme “Anel de Tucum” (1994) – produção documental sobre a luta de trabalhadores rurais explorados por latifundiários, um jornalista pergunta: “o que significa esse anel preto?” O personagem Dom Pedro Casaldáliga, bispo expoente da Teologia da Libertação, responde:

É o anel de tucum, uma palmeira da Amazônia, aliás, com uns espinhos meio bravos. É sinal da aliança com a causa indígena e populares. Quem carrega este anel, normalmente, significa que assumiu essas causas e suas consequências. Você toparia levar um anel?

– Anel de Tucum, 1994

Na primeira década dos anos 2000, para mim, usar anel de coquinho significava ser lésbica. O que eu não sabia (e não posso bater o martelo como verdade-absoluta, por isso trago apenas como curiosidade) é que existe uma espécie de código para a comunidade LGBTQIA+ no geral: o anel no dedo médio da mão direita representa pessoas assexuais. No polegar, indica que a pessoa é lésbica (e eu nunca usei no polegar!!!). No indicador direito, bissexualidade.

Em um apanhado de leituras, vídeos e filme, fico cá pra mim que o anel de coquinho é um compromisso com o mundo. Olhar para o outro. Defender o amor. Lutar por igualdade de direito. Assumir sua responsabilidade social. Também é o sustento do moço que conversou comigo enquanto eu bebia caldo de cana. É herança cultural paraense. É símbolo daqueles que todos os dias precisam ressurgir das cinzas. E você: topa levar um anel de coquinho?

Toda vez que você me lê, a gente se torna um pouquinho amigas. Acredito na escrita como ponto de encontro, fofoca, compartilhamentos e trocas. Sou mestre em literatura. Poeta. Revisora. Redadora. Que o nosso tempo juntas seja divertido.