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Mulheres no grafite mostram que as ruas também são delas

As grafiteiras Andressa, Joy e Narizinho | Dicas de Mulher

Grafiteiras contam suas experiências, memórias afetivas e desafios nessa arte urbana ainda marginalizada

Atualizado em 17.05.23
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Quando pensamos em grafite, às vezes, vem à mente a imagem do artista homem fazendo suas ares em muros e paredes. Isso acontece porque, como em muitos espaços artísticos, a presença das mulheres ainda recebe menos visibilidade. Mas as ruas também são repletas de artes delas, que deixam suas marcas como forma de resistência!

Essa forma de arte ainda é muito discriminada. Por ser ligada à contracultura e movimentos como o hiphop, é comum que o grafite seja enxergado como uma forma de vandalismo por “sujar as paredes”. No entanto, essa manifestação artística traz cores para as cidades, carrega críticas sociais e produz obras que podem ser admiradas por todos. Ninguém precisa comprar ingresso para um grafite, afinal não estão atrás de muros, mas, sim, expostos neles.

Nesse cenário, as mulheres usam o grafite para expressar sua voz e mostrar sua arte a todos. O Dicas de Mulher conversou com três mulheres grafiteiras, que contam sua história com essa forma de arte urbana e deixam mensagens sobre espiritualidade, padrões de beleza, violência, política, feminismo, entre outros assuntos.

Artistas de diversas origens

Andressa Cappellari Maciel nasceu em Caxias do Sul (RS) e conta que “desde bem jovem, na época da escola, já via grafite pela cidade onde morava mas não entendia a importância da cultura”. Foi só em 2014, motivada por um relacionamento, que ela passou a entender mais sobre o grafite e o cenário cultural que essa forma de arte integra.

Arte de Andressa Maciel

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Seu foco artístico é a produção de mandalas, que ela já utilizava para se expressar antes de começar a grafitar, fazendo “mandalas em papel ou outras superfícies de pequena escala”. O contato com a arte urbana lhe apresentou uma forma mais democrática de produzir arte de forma que todos pudessem apreciar.

Ela explica que “via que a cultura de rua era, e é, integrativa e democrática, pois a arte que fazemos tem a capacidade de ser apreciada por qualquer indivíduo de forma gratuita, independente de sua cor, gênero, classe social”, o que fez com que se identificasse com o grafite.

A visibilidade nas ruas também é o que levou Joyce de Souza a se identificar com a arte de rua: “antes eu só pintava tela e me sentia muito sozinha. O grafite/muralismo me fez ter essa aproximação maior com o público”, relata.

Joyce, que é conhecida como Joy, nasceu em Sertãozinho, interior de São Paulo, mas realizou a maior parte dos seus trabalhos artísticos em Ribeirão Preto (SP). Desde 2002 ela pinta como muralista, arte de rua realizada com pincel, mas sua conexão com o grafite faz com que atualmente ela se considere muralista – por usar pincel -, mas com alma de grafiteira.

Arte Joyce de Souza (Reprodução/Arquivo Pessoal)

“O graffiti surgiu conhecendo os artistas da cidade e quando comecei a viajar para participar de Festivais de Graffiti”, descreve a artista que atualmente mora em Pelotas (RS), mas que viaja muito pelo Brasil.

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No caso de Amanda Luiza da Silva Cordeiro, conhecida pelo nome artístico Narizinho, o grafite veio como uma forma de se comunicar e expressar seus sentimentos. A artista conta que isso é importante para ela porque sempre gostou “de arte, de desenhar e eu não era muito comunicativa”.

Arte Amanda Luiza da Silva Cordeiro, Narizinho (Reprodução/Arquivo Pessoal)

Narizinho nasceu em Londrina (PR), passou a infância em Teresópolis (RJ) e voltou para Londrina na adolescência. A arte começou como um hobbie, “até porque mulher da quebrada tem que fazer os seus corres pra ganhar dinheiro e no começo não era possível” ganhar dinheiro com o grafite, mas hoje, com muita prática ela conseguiu profissionalizar sua arte.

Vivendo do grafite

Ninguém da família de Narizinho conhecia pessoas que tivessem o grafite como uma forma de trabalho e fonte de renda, por isso a artista conta que o começo de sua carreira foi bem difícil, mas que “agora eles viram que eu não abandono, eles aceitam e gostam e me apoiam”.

No caso de Joy, ela compartilha que teve o apoio familiar, ainda que seu pai tenha resistido um pouco no começo, “mas hoje vejo o orgulho que eles sentem pelas minhas conquistas, mesmo que de longe, eles acompanham tudo”.

Andressa enfrentou uma realidade diferente, pois enquanto Joy e Narizinho começaram no mundo da arte bem novas, em seu caso “eu fui realmente grafitar pela primeira vez com 27 anos (dois anos atrás)”.

Então, quando ela resolveu fazer isso “já tinha independência financeira e morava sozinha a cerca de 7 anos”. Ela acredita que isso fez com que fosse mais fácil não enfrentar a resistência familiar “digamos que não existe um super apoio da parte deles, mas também nada contra. Hoje eles entendem o estilo de vida que escolhi e respeitam ela”.

Os desafios de ser mulher grafiteira

Em uma sociedade machista, mulheres sempre vão enfrentar dificuldades por causa de seu gênero. Andressa destaca que “o graffiti é mais um dos recortes, ou tribos, da nossa sociedade que é patriarcal, então, existe o machismo nesse ambiente, também, e os desafios são praticamente os mesmos que nós mulheres enfrentamos desde sempre”.

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Joy conta que ser uma mulher artista “é uma luta diária, não existem formas de explicar o que uma mulher passa todos os dias nas ruas”. Entre as formas como os desafios para as mulheres se apresentam nesse cenário, ela destaca “o assédio, o menosprezo da técnica, a falta de incentivo em projetos e lideranças femininas, a falta de cuidado com artistas que são mães nesses grupos”.

Melhorias nesses aspectos vêm sendo construídas aos poucos, principalmente motivadas por lideranças femininas que “colaboram com a equidade nos eventos e Festivais de Graffiti, mas ainda participo de encontros em que eu sou a única mulher no meio de 20 homens”.

Narizinho também reforça que são muitos os desafios apresentados pelo sexismo, e compartilha que como mãe ela ainda precisa ter uma preocupação a mais “tenho duas crianças, então, assim, pra mim estar em um rolê desse eu tenho que deixar meus filhos confortáveis”.

Apesar dos problemas, Narizinho fala de um cenário em que a representatividade feminina tem crescido no grafite, o que torna mais fácil enfrentar o machismo: “eu estou vendo cada mais mulheres no muro e fico muito feliz que a gente consegue afrontar esses casos”.

É a importância da representatividade feminina e de ocupar os espaços apesar dos desafios. Joy ressalta que “a Arte de Rua por si só é uma arte de protesto. Estar presente na rua é uma forma de dizer a sociedade que existe mulher pintando na rua, minha presença é pra isso, incentivar e levantar outras mulheres a ocupar esses espaços”.

Memórias afetivas a partir do grafite

Andressa conta que, em sua experiência, “todo evento de graffiti ou encontro com os amigos e amigas, para pintar na rua, é sempre um momento de gerar muitas memórias afetivas. Principalmente eventos de graffiti que participamos pelo Brasil”.

Esse ano, a artista participou de eventos em Maringá (PR), Caxias do Sul (RS) e Serra (ES), em todas as ocasiões o que mais foi importante, para ela, “foram as novas amizades e contatos feitos com artistas de diferentes lugares do Brasil. São momentos muito ricos de trocas de experiências e culturas que considero importantíssimo para minha própria evolução pessoal.

Narizinho também fala sobre a variedade de memórias afetivas e momentos marcantes, principalmente em eventos em que tem a oportunidade de conhecer pessoas e “trocar bastante ideia, conhecer outras mulheres e ver que eu não estou sozinha porque é uma coisa que parece que só homem consegue fazer, né? Todo mundo pensa e não é”.

Joy recorda que o momento mais marcante de sua carreira “foi ter pintado ao lado de 50 mulheres no evento “Graffiti Queens” em 2019 em São Paulo. Sempre me via a única mulher nos eventos da minha cidade e quando viajei pra capital e me deparei que existia muitas igual a mim, voltei mais forte”.

Ela ainda compartilha que “o Graffiti me ensina todo dia o lance da humildade e o respeito com o nosso trabalho”.

Referências artísticas e identidade visual

Quanto a suas referências artísticas e inspirações, cada uma traz uma bagagem diferente. Narizinho fala de se inspirar em diversas mulheres grafiteiras, como a Kênia, também de Londrina, com quem ela começou a grafitar e a Head Cap. Além disso, ela conta que “eu não pego inspiração só do pessoal do grafite, mas, também, eu acho que da minha vivência”.

Sua arte é majoritariamente composta por desenhos coloridos de rostos de crianças, em que seu processo artístico parte de fotografias: “eu estive em um lugar, tirei uma foto e então passo aquela foto, trato ela, e jogo no grafite”, explica.

Joy também se inspira em “pesquisar artistas que pintam comigo ou que estão na cena atual, vejo que no Graffiti existem muito artistas que são referências, mas aprendi que estamos todos navegando no mesmo barco”.

Além disso, como artista muralista, ela conta que possui grande inspiração no trabalho de Cândido Portinari: “ele é um artista que viveu na mesma região do interior de São Paulo e ganhou o mundo através dos seus pincéis. Mas ele nunca deixou de pintar a cidade que ele viveu. Acho que pra mim essa é o grande segredo, ganhar o mundo, mas nunca se esquecer de quem você é”.

A arte de Joy tem como base o retrato feminino “passei a fazer rostos femininos, pois a mulher sempre foi muito objetificada na História da Arte, sempre representada nua por artistas homens”. Para isso, ela utiliza uma paleta de cores diversificadas como uma forma de com que suas ‘mulheres coloridas’ mostrem “a força através do vínculo com a natureza”, elementos que ela sempre busca incorporar.

Andressa tem como maior fonte de inspiração seu círculo de convivência “meus amigos e amigas que fiz, e venho fazendo, conhecendo nosso Brasil”. Sua temática artística é centrada nas mandalas que tem significado além de sua aparência: “as mandalas são atemporais, símbolo da totalidade. Acredita-se que elas carregam em si um potencial energético, capaz de alterar as vibrações dos ambientes em que se encontram. Inclusive, o mesmo padrão visto nas mandalas é encontrado na natureza e até em nós mesmos”, explica.

Conhecendo o trabalho dessas artistas é possível ter uma ideia da diversidade artística que existe nas ruas e da pluralidade de mulheres pintando muros. O grafite é uma forma de arte que faz parte da cultura do hip hop, como as batalhas de RAP, onde também existe forte presença das mulheres.

Jornalista e produtora de conteúdo. Fã de cultura POP com interesse em Estudos Culturais, tentando acumular o maior número possível de hobbies nas horas vagas.