COLUNA

Quem nunca deu uma olhadinha no Tinder que atire a primeira pedra

Estela Lacerda

O aplicativo fez dez anos e mudou a forma de nos relacionarmos. Se de forma positiva ou negativa, isso vai de cada experiência!

Eu já usei o Tinder algumas vezes, você que está lendo esta coluna provavelmente também. Se não deu aquela espiadinha nesse aplicativo, provavelmente sua amiga ou prima já. E por que não até sua tia e mãe? Sem dúvidas, você conhece histórias de casais que se conheceram no app, sejam elas eternas enquanto durem ou não.

O app acolhe diversas faixas etárias, gêneros, raça e sexualidade, embora, é claro, não funcione e nem acolha todas nós da mesma maneira. Afinal, seus usuários são pessoas e refletem a sociedade e o tempo que vivemos. Pode ser usado, ainda, para fins diversos, do sexo casual à intenção de encontrar um grande amor.

O Tinder foi fundado em 2012, nos Estados Unidos, e chegou ao Brasil em 2013. Antes dele, era comum as pessoas usarem outros aplicativos de relacionamento que, por motivos diversos, não se popularizaram da mesma forma. Ou ainda apostar no bom e velho conhecer pessoas em eventos, por intermédio de amigos ou até mesmo família, o famoso “cara a cara”.

Para quem não conhece, o aplicativo te permite criar um perfil, com fotos, informações gerais, que vão de signo à formação, com espaço para uma bio. Além disso, apresenta pessoas a você por meio de alguns requisitos. Em seguida, você decide se clica em um “nope” (x), caso não tenha achado determinada pessoa interessante, ou um like (♥), se estiver interessada.

Há quem diga que, devido a essa dinâmica imediata e rasa, ele pareça um cardápio humano. Às vezes, eu não discordo muito. Afinal, você decide o que quer ou não por meio de breves descrições. Vale dizer, no entanto, que o outro deve dar um like também para rolar um “match” e iniciarem uma conversa.

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Relatos de experiência de quem usou o aplicativo

Ainda lá no início do aplicativo, em 2015, eu usei e tive duas experiências marcantes. Uma bastante positiva e outra negativa. Vou começar pela minha passagem ruim, para melhorar nosso papo depois.

Sempre me dediquei muito a estudar e trabalhar, mas eu estava simplesmente cansada de estar sozinha ou de conhecer pessoas em bares, já alcoolizadas – como eu também já estava. Queria ter uma conversa legal, saber da vida daquela pessoa para, só depois, ficar com ela, se fizesse sentido. O primeiro encontro foi estranho. A dinâmica ia muito para o lado do “vamos transar hoje ou não?”. E tudo bem, caso eu realmente quisesse naquele dia, mas não estava a fim. Já o segundo cara com quem saí para um encontro foi meu companheiro por quase seis anos, alguém que se tornou uma das pessoas mais especiais da minha vida.

Em 2021, retornei ao Tinder algumas vezes. A pandemia estava aí, eu tinha saído desse longo relacionamento e queria conhecer pessoas novas. Retornar ao aplicativo dando um “oi” aos meus 30 anos foi muito diferente da primeira vez, aos 23. Hoje, já não tenho mais paciência para muita coisa e me tornei mais seletiva. Além disso, gosto de pessoas que deixam claro o que estão buscando, seja sexo casual, companhia momentânea ou um relacionamento de médio ou longo prazo.

Sem contar que, com as redes sociais em efervescência, as pessoas se comunicam de modo muito diferente: querem conversar o tempo todo ou somente quando estão entediadas e procurando alguém para passar uma noite. Eu, por exemplo, já fui acusada por não dar atenção suficiente, o que seria desinteresse. O que você pode ler como: trabalhar, cuidar de mim, da minha casa e, por isso, não responder mensagens com rapidez. Também já fui interpretada como alguém que “quer namorar” por demonstrar o que quero e sinto. Sem contar que, caso você queira somente sexo, e saiba muito bem do que gosta, pode assustar, principalmente aos homens heterossexuais.

Para mim, um aspecto bastante positivo é que o aplicativo me permitiu dar mais espaço para a minha bissexualidade, ou seja, deixar em evidência minha orientação sexual. Por uma série de motivos, a sociedade costuma olhar para uma mulher e enxergá-la como heterossexual, exceto se entender que ela se “vista como homem” – julgamento que não faz o menor sentido. No entanto, como qualquer mulher, tive encontros que deveriam me render um adicional de insalubridade, tanto com mulheres quanto com homens.

Em conversa com amigas 30+ que usam ou já usaram aplicativo, há um aspecto negativo em evidência quando se trata de se relacionar com homens héteros. Existe um limbo: de um lado, aqueles com menos de 30 anos, que às vezes são até companhias divertidas, mas são imaturos ou ainda estão terminando a faculdade, em um ritmo de vida completamente diferente do nosso, gerando uma série de conflitos. Do outro lado, aqueles acima de 30-40 geralmente são muito machistas, lidam mal com mulheres independentes e/ou buscam padrões de beleza inatingíveis – o que não significa que eles o atingiram.

A minha experiência de usuária sazonal do aplicativo é até bastante positiva, porque conheci pessoas bacanas que se tornaram amigas e com quem tive relacionamentos de curto e longo prazo. No entanto, uma amiga, com dez anos a mais que eu e heterossexual, tem uma visão um pouco diferente. Por mais que tenha recebido uma série de likes e isso tenha dado um “up” na sua autoestima, ela sente que as relações são muito superficiais e teve dificuldade de manter conversas simultâneas e, de fato, conhecer pessoas.

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Para ela, o aplicativo realmente se parece um cardápio e, como tal, você pode descartar ou não as opções, com a ideia de que sempre há algo melhor em vista. Nesse sentido, acredita que ele é um reflexo das relações atualmente, para além do mundo digital.

Há outros relatos de experiência muito negativos a respeito do uso do app, principalmente por parte de mulheres lésbicas e pretas. Em comparação a mulheres que estão de acordo com a beleza padrão e a heterossexualidade, a frequência de likes e possibilidade de encontro são menores.

Mais uma vez ressalto que acredito que o Tinder é reflexo da nossa sociedade. Por isso, infelizmente, o aplicativo não é muito eficiente para minorias. Talvez fosse o caso de haver mais aplicativos de relacionamento focados em diversidade, e menos em coleção de likes para elevar a autoestima. Ou que os apps atuais se aprimorassem para que minorias se sentissem mais acolhidas e representadas. Por não haver esse olhar, muitas pessoas deixam de usá-los, devido à frustração gerada, além de como isso afeta a autoestima e gera sentimento de solidão.

Quais cuidados tomar ao usar o Tinder?

Acredito que o aplicativo é, sim, uma maneira razoável para conhecer pessoas além dos nossos círculos, mas precisamos estar atentas a sinais de ciladas. Por exemplo, perfis não verificados ou que não deixam na bio o @ do Instagram para darmos uma espiadinha. Ou que, nessa bio, não descrevem nada sobre si e parecem seres misteriosos, sem personalidade. Pessoas com fotos que não mostram o rosto, que têm muito aspecto de banco de imagem ou de serem gringas também devem ser evitadas.

Se rolar um ‘match’ com alguém, vale conversar um bom tanto antes, saber quem é essa pessoa, onde vive, do que gosta, do que se ocupa. Se o papo fluir, vale marcar um encontro em local público primeiro. Se sair com alguém, avisar uma amiga ou amigo, compartilhar o contato da pessoa ou rede social não é má ideia. Tudo vale para nossa segurança!

Acredito que se relacionar na época de ascensão dos aplicativos e redes sociais é difícil, sim, principalmente se você, assim como eu, adora uma longa e boa conversa num café ou bar. Mas também não é fácil sair e conhecer pessoas por aí. Se você já tentou, sabe bem do que estou falando.

Vale dizer que entrar em aplicativos como Tinder para buscar alguém interessante é um processo lento. É comum ouvirmos relatos de que “não há ninguém para mim ali” e “ninguém me quer”. No entanto, com toda essa pressa, só estamos reforçando a ideia de imediatismo e de cardápio a que essas ferramentas são associadas.

Lembre-se que conhecer alguém legal leva tempo, mesmo fora dos aplicativos e que entrar no Tinder só porque está com tesão pode te levar a uma enorme roubada – mais vale um vibrador.

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Torço que nessa era da tecnologia e do “é tudo para ontem” possamos encontrar boas relações, independentemente do tempo de duração, e que os aplicativos de relacionamento, assim como a sociedade, saibam abraçar a todas nós.

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Dicas de Mulher.

Fez Letras, mas se encontrou na área de Comunicação. Mediadora do clube de leitura #LeiaMulheres e autora do livro de poemas 'O rio seco que vive em mim'. Gosta de planta, de bicho e de gente, mas mais ainda de histórias.