COLUNA

Quem deve pagar a conta em um encontro?

Dicas de Mulher

Especialmente no primeiro date envolvendo um homem e uma mulher, a hora de pagar a conta acaba em constrangimento se não entendermos a dinâmica entre um novo casal.

Ainda nesta semana, eu conversava com uma amiga que expressou grande angústia. Solteira já há algum tempo, ela usa aplicativo de relacionamento e faz encontros com alguma frequência, esperando encontrar um bom par. O problema é que, ao final do jantar, ela costuma se oferecer para pagar a conta educadamente, mas, no fundo, espera sempre que o homem assuma essa responsabilidade – assim, sente que ele está sendo gentil e cuidadoso.

Concluiu ainda que os rapazes – ainda mais confusos sobre seus papéis de gênero – muitas vezes aceitam dividir a despesa para que ela não se sinta ofendida, afinal de contas, é uma mulher independente e pode arcar com os custos. Essa cena se repete com muitas mulheres que estão vivendo novas possibilidades de relacionamento e muitas delas acabam tendo esse mesmo conflito.

Afinal, o que “pagar a conta” tem a ver com nossa independência e autonomia?

Há alguns anos, era de praxe: a etiqueta social dizia que o homem deveria pagar um encontro, e que era até deselegante que uma mulher se propusesse a isso. Tal costume tem origens históricas e sociais, uma vez que, até meados dos anos 1980, a maioria das mulheres era dependente financeiramente de seus pais e maridos, tinham menos possibilidades de atuação no mercado de trabalho e, se trabalhavam, ganhavam salários ainda muito inferiores aos homens. Na verdade, segundo uma pesquisa do IBGE realizada em 2021, o salário das mulheres brasileiras é cerca de 20% inferior ao dos homens que exercem a mesma função profissional.

Além disso, ainda existe a máxima patriarcal, ou seja: aquela ideia de que o homem deve prover financeiramente a família. Assim, se ele não consegue nem pagar o jantar em um primeiro encontro, automaticamente já é associado a uma ideia de impotência, de fraqueza, incapaz de cuidar financeiramente da esposa e dos filhos. Hoje, o cenário é melhor do que há 30 anos e as mulheres já têm maiores possibilidades de se manterem sozinhas com ou sem filhos, são gestoras da casa, líderes em seus empregos e têm carreiras de sucesso. Por isso, também teriam plenas condições de dividir a conta em um restaurante, bar ou motel, por exemplo.

Algumas mulheres independentes se sentem incomodadas com essa divisão, pois necessitam da simbologia do ato de pagar

Assim como minha amiga, muitas mulheres esperam que, no fundo, o acompanhante seja responsável pela conta. Trata-se de uma gentileza, como abrir a porta do carro, entregar flores e se preocupar com os detalhes. Para algumas pessoas, tais atitudes são importantes, para outras, não fazem diferença ou até incomodam.

Publicidade

Nossa sociedade tem muitos tabus sobre o dinheiro e falar sobre ele é necessário nesses casos. Entendemos, pela Psicologia e pela Psicanálise, que o dinheiro tem muitas simbologias na nossa organização psíquica. O dinheiro pode, por exemplo, ser um representante de afeto. Pense bem: para que alguém pague algo a você, essa pessoa trabalhou, se empenhou, ganhou aquele salário que ela poderia ter gasto com qualquer outra coisa, mas escolheu te proporcionar algum prazer por meio dele – e isso não é “comprar” o outro.

No livro “As 5 linguagens do amor”, de Gary Chapman, uma das formas de amar e de se sentir amado é com “presentes”. Aqui entram não só os presentes caros, mas as coisas materiais, lembranças, atos que envolvem também gastar dinheiro, não importa a quantia. Por isso, vejam que o ato de expressar que gostaria que um homem pagasse seu jantar não significa que você seja um mulher interesseira, mas que se sente amada por essa simbologia entre trabalho, ganhos e o direcionamento desses ganhos para um jantar romântico, uma bom hotel, um cinema ou um simples café da tarde com você.

Para além de tudo isso, muitas de nós também crescemos em lares onde os homens eram provedores e nos acostumamos a associar essa ideia de responsabilidade financeira a cuidado. É natural, portanto, que algumas de nós sintamos a necessidade de ter companheiros que assumam esses mesmos papéis de liderança quando o assunto é dinheiro.

Pensando em custos e gastos, voltamos a outras questões de gênero

Quando este assunto vem à tona, o que devemos evitar é uma briga de interesses: já ouvi homens dizendo que as mulheres feministas, que querem igualdade de gênero, devem então ter todos os deveres equiparados, inclusive na hora de dividir e pagar todas as contas. Vamos lembrar que nós ainda não temos direitos igualitários, muitas mulheres fazem jornadas triplas, ficam com a responsabilidade dos filhos após separações e ainda lutamos pela igualdade salarial.

Por outro lado, já ouvi mulheres dizendo que os homens devem pagar o jantar porque elas gastam muito para um encontro: salão de beleza, maquiagem, roupas, acessórios, depilação… enquanto o homem não tem esses gastos. Aqui, novamente uma visão machista. Investimento em estética não deveria ser uma obrigação, mas sim uma escolha, pois cada mulher pode decidir se irá se depilar ou não, se maquiar ou não, usar acessórios ou ir “basiquinha” para qualquer encontro, dentro do seu estilo e da forma como se sente confortável. Cuidados pessoais que envolvem nossa autoimagem são importantes para nossa autoestima, para podermos olhar no espelho e gostar daquilo que vemos, e isso não tem a ver com quem você vai encontrar no restaurante. Por isso, esse investimento é pessoal e não deveria ser cobrado do outro como uma dívida financeira a ser compensada pelo jantar.

Mulheres independentes não são aquelas que pagam tudo sozinhas, mas aquelas que podem decidir o que cabe dentro das suas possibilidades

No fim de tudo, o que deixa muitas mulheres e homens confusos e constrangidos na hora de pagar a conta é que antes havia uma regra geral: homens bancam financeiramente e mulheres se preparam esteticamente para o encontro. Agora, não há mais essa regra. Pode ser que o homem prefira pagar porque quer ser gentil ou porque cresceu aprendendo que essa regra é imutável. Pode ser que a mulher prefira pagar a conta toda, pois assim se sente mais segura, demonstra sua independência financeira ou simplesmente porque também quer ser gentil. Pode ser também que os dois dividam o valor final, ou um pague da primeira vez e o outro fique comprometido a pagar da próxima, como forma de equiparar os esforços. Também vale ser honesto e honesta quando o dinheiro está apertado e avisar de antemão que o encontro tem alguns limites de gasto.

Por não haver mais uma regra, podemos colocar as nossas próprias, e essa é a importância da independência feminina. Trata-se da possibilidade de entender o que faz sentido para você, escolher como você pode e quer fazer na hora de pagar a conta e comunicar isso de forma clara e respeitosa com o outro.

Publicidade

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Dicas de Mulher.

Psicanalista e Palestrante, graduada em Psicologia e em Letras, com Mestrado e Doutorado em Linguística e Pós-Graduada em Sexualidade Humana. Dedica sua carreira ao desenvolvimento de mulheres líderes no trabalho, nos relacionamentos e na vida. É autora do livro "A linguagem da loucura" e empresária, ama comunicação, esportes, viagens e celebrações.