COLUNA

“Quero chegar em um cara, mas tenho medo de parecer fácil”

Dicas de Mulher

Estamos cada vez mais empoderadas, mas ainda sofremos com as caixinhas que nos dividem entre mulheres "fáceis" e "difíceis"

Em 14.12.22

Quantas vezes, ao longo da sua vida, você já ouviu que há mulheres “para casar” e “para transar”? Essa é a divisão que uma sociedade bastante machista faz entre nós, para que estejamos sempre pressionadas a fugir do rótulo de “fácil”.

Trata-se de um pensamento ambivalente, um 8 ou 80, um jogo de Fla x Flu entre aquilo que é bom, louvável, e aquilo que é desprezado. Nesse caminho, fica expresso que aquelas que não se entregam, se resguardam e esperam que o outro as corteje sejam admiráveis. Em contrapartida, as que tomam para si a responsabilidade na hora da conquista e “partem pra cima” seriam as de menor valor.

Eu não estou dizendo, aqui, que este julgamento, essa divisão entre duas caixinhas, parta apenas dos homens. Infelizmente, muitas mulheres reproduzem discursos, e julgam as outras que se permitem viver plenamente, especialmente no campo da sexualidade.

Diante disso, é esperado que tenhamos muito medo de demonstrar interesse na hora do flerte, já que isso pode nos colocar na caixinha de “mulher fácil”.
Posso ir mais além aqui e partir da máxima de que “tudo o que é proibido é mais gostoso”, o que faz com que parte das pessoas só se interessem por aquilo que é difícil, impossível de conquistar.

Mas a quem interessa esse jogo de impossibilidades?

Seguir a regra de se fazer de difícil para conquistar alguém implica que no jogo das relações tenhamos sempre dois lados: um ativo, que conquista, e outro passivo, de difícil acesso. No caso da cultura heteronormativa, os homens estariam do lado ativo, da conquista, do movimento, da decisão. Enquanto isso, as mulheres ficariam do lado da espera e do resguardo. Nesse jogo em que não há flexibilidade de papeis, há perdas e ganhos de ambos os lados.

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Para os homens, a vantagem da escolha. Para as mulheres, a vantagem da lei do menor esforço. Em contrapartida, eles levam mais “foras” e são repetidamente rejeitados, enquanto elas permanecem sem saber do seu desejo e ficam com medo de tentar investir quando se interessam por alguém.

Nesse jogo de perde-e-ganha, vivemos com medo dos “foras”. Ao longo de nossas vidas, não fomos ensinadas a lidar com a rejeição, e sim a rejeitarmos alguém. Nos contos de fadas, nos desenhos infantis, nos filmes de nossa infância, as personagens esperam calmamente um príncipe que as resgate de um sofrimento – mas dificilmente víamos personagens “fáceis”, que colocassem em primeiro lugar os seus próprios desejos.

Não nos foi dada a possibilidade, então, de desejar; pelo contrário, assim como as protagonistas, deveríamos sempre ser perfeitas para que nos desejassem. Nesse sentido, podemos ressignificar a ideia de mulher “fácil” como sendo aquela que sabe o que quer e se movimenta para que as coisas aconteçam conforme sua vontade, sem se preocupar com o julgamento alheio, potente para lidar com possíveis rejeições.

Para além das questões sociais, como o machismo, há explicações psicológicas do porquê os homens se interessariam mais por mulheres “difíceis”.Há algumas teorias que poderiam explicar o desinteresse de alguns homens por mulheres que são mais livres sexualmente.

A primeira delas é a insegurança. Quando uma pessoa apresenta seus desejos sem medo, ela dá um recado, ainda que subentendido: provavelmente, aquela pessoa tem mais experiência de vida, não tem medo da rejeição e é mais segura de si. Lidar com pessoas assim nem sempre é fácil, e exige segurança e maturidade, inclusive na cama. Por isso, mulheres “fáceis” acabam causando certo receio em caras que não estão tão seguros de si.

Além disso, para Freud, uma determinada parcela de homens projeta nas mulheres o amor que dedicou, anteriormente, à mãe. É claro que esse amor dedicado à mãe é um amor de ternura, mas que, na vida adulta, se redireciona para outras pessoas com a intenção romântica.

Com isso, esses homens tendem a associar o “amor da vida” deles à pureza do amor materno, dissociando a ternura da pulsão sexual. Nesse sentido, fica nítida a separação entre mulheres difíceis, para casar, dadas “ao respeito”, como outrora viam suas próprias mães; e as mulheres “fáceis”, sexuais, desejosas, que se afastaram do carinho e do afeto maternos – e, portanto, não dignas de serem amadas.

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Se há explicações sócio-históricas e Psicológicas para que uma mulher com atitude seja julgada como fácil, por que não devo ter medo de chegar em um cara?

O medo sempre existe. Se não for do julgamento alheio, será da rejeição, por exemplo. Sempre que nos relacionamos, nos colocamos numa zona de perigo, pois há um outro ser envolvido, com seus próprios gostos, interesses e exigências. O medo, inclusive, nos ajuda a avaliar melhor a situação para ver se estamos correndo riscos ou mesmo para compreender de antemão quais problemas iremos enfrentar.

Por isso, chegar em alguém é sempre uma tarefa desafiadora! Da mesma forma que não chegar em quem temos interesse não nos protege da frustração, afinal o outro não tem “bola de cristal” para saber das nossas intenções. Por isso, deixar-se julgar pode ser um caminho libertador, porque nos coloca na posição ativa da coisa. Podemos identificar nossos desejos e agir de acordo com eles, ainda que isso envolva medos e inseguranças.

Parecer “fácil” faz com que o outro perca o interesse em mim?

Depende. Ainda há, sim, muitas pessoas conservadoras que acreditam que a mulher não pode ter iniciativa. Mas essa ideia vem sendo desconstruída, especialmente pelas novas gerações. A “Marcha das Vadias”, por exemplo, foi um movimento iniciado no Canadá no ano de 2011 e protesta pelo direito de as mulheres se comportarem da forma como quiserem.

O movimento surgiu em reação à ideia de que as vítimas de abuso sexual teriam provocado a violência pelas roupas que usavam ou pelos seus comportamentos. Trata-se de uma marcha que defende a liberdade sexual e comportamental das mulheres, e que ressignifica a expressão “vadia”, uma vez que, nos slogans do movimento, elas bradavam que “se ser livre é ser vadia, então eu sou vadia!”. Esse é um exemplo de que novas visões vêm surgindo sobre a sexualidade feminina e, do mesmo modo que há caras conservadores, também há pessoas que já não se deixam levar por rótulos machistas.

Por isso, eu proponho a você, que está com medo de ser taxada de “mulher fácil”, uma reflexão: você deixaria de ficar com um homem que julgaria ser “fácil”? Parece que quando a questão é com os homens por quem nos interessamos, a banda toca diferente. Fomos ensinadas justamente a idolatrar homens “garanhões”, que derrubam legiões de mulheres quando passam – e então, as mais difíceis seriam alvo de sua dedicação para a conquista. Mas vale refletirmos aqui se é mesmo essa relação que irá nos satisfazer.

Eu acredito que, se um homem julga que uma mulher é fácil porque ela é livre, então ele não parece ser um homem que a respeite em sua plena possibilidade de existir. Por outro lado, homens que buscam quebrar esse tipo de paradigma são mais flexíveis e empáticos. Deixam os velhos conservadorismos para apostar em relações únicas e também se permitem ser a parte passiva, alternando os papeis da relação entre passividade e atividade, e fazendo uma colaboração mútua, seja para uma relação casual, seja para uma relação duradoura. Portanto, cara leitora, se alguém julgar que você é uma mulher fácil e, por isso, rejeitá-la, pense que você está se livrando de um problemão!

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Dicas de Mulher.

Psicanalista e Palestrante, graduada em Psicologia e em Letras, com Mestrado e Doutorado em Linguística e Pós-Graduada em Sexualidade Humana. Dedica sua carreira ao desenvolvimento de mulheres líderes no trabalho, nos relacionamentos e na vida. É autora do livro "A linguagem da loucura" e empresária, ama comunicação, esportes, viagens e celebrações.