COLUNA

Eu não quero ser mãe e sou completa

Estela Lacerda

Amanhã eu posso mudar de ideia quanto à maternidade, mas no momento preciso que minha decisão seja respeitada

Nunca sonhei em ser mãe, mas dizer isso sempre foi um tabu em diversos círculos sociais, principalmente na família. Falar abertamente sobre esse assunto hoje, em torno dos 30 anos, é libertador, mas nem sempre foi assim. Eu tinha medo dos julgamentos, das cobranças, das lições de moral sobre o que é ou não ser uma mulher realizada.

Tenho uma família gigantesca, cerca de 20 tios e tias, sem contar seus parceiros e parceiras. Nessa conta, você pode acrescentar uns vários primos e primas. Como mulher e uma das netas mais velhas dos meus avós, esperava-se que eu fosse umas das primeiras – se não a primeira – a trazer ao mundo um novo integrante à família. Isso não aconteceu.

Decidi estudar e nem sequer cogitei a maternidade. Fiquei cerca de 10 anos aprimorando conhecimentos, pensando mais na minha carreira profissional do que em qualquer coisa. Isso foi pouco compreendido porque eu era a única mulher da família a fazer uma graduação e, ainda hoje, a única a ter buscado um mestrado e doutorado. Ninguém entendia a necessidade de estudar tanto já que, supostamente, eu seria muito feliz como esposa e mãe.

“Você estuda demais?”, “E o meu bisnetinho, quando vem?”, “Você já está ficando velha para ser mãe”, “Até sua irmã já teve filho”, “Até sua prima tal, muito mais nova que você, já vai ter um filho”, “Mas você não pensa mesmo em ser mãe?”, “Depois de ter um filho, você vai gostar da maternidade”, essas e muitas outras frases já foram ditas em almoços de família, ambientes de trabalho e até mesmo em rodas de amigos (colegas?) nos bares da vida.

Quando estou em um relacionamento amoroso, a cobrança cresce ainda mais. Porque, se eu tenho um parceiro homem cis, as pessoas entendem, em meu nome, que é o momento. Então, as frases “Ele vai ser um bom pai” e “Ele vai te ajudar a cuidar da criança” surgem, e o homem é colocado como o grande provedor da maternidade em minha vida e que vai me dar auxílio na criação de um filho, que também é dele.

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Eu não quero ser mãe – e isso pode mudar

Tenho muitas razões para não querer ser mãe. Não me vejo nesse papel. Não me enxergo grávida. Não sinto vontade de colocar no mundo mais um ser humano. Não quero, no momento, ser a responsável por educar uma criança, cuidá-la e amá-la incondicionalmente. Não quero abdicar da vida e rotina que eu tenho. E está tudo bem.

Essa decisão não é egoísta, embora eu saiba que muita gente interprete dessa maneira. Sem querer ser grosseira, porque sem dúvida não é minha intenção, mas o que posso dizer a respeito disso é: cada um precisa lidar com as frustrações vindas das expectativas que cria em relação aos outros ou sobre como deve funcionar o mundo.

Sei que eu seria uma boa mãe, dentro das minhas possibilidades sociais e financeiras. Sem dúvidas, faria de tudo para educar uma criança que fizesse dessa sociedade um lugar mais justo, que fosse respeitosa com as diferenças e acolhedora com todos os seres desse planeta. Eu me dedicaria a ver seu sorriso diariamente, a lhe dar uma boa formação e um bom caráter, a ser leal aos seus princípios, mesmo que o mundo às vezes seja muito difícil.

Admiro muito as mulheres ao meu redor que são mães, e inclusive a minha própria mãe – uma das poucas pessoas que sempre me incentivou a estudar e buscar um futuro diferente. Vejo nelas exemplos incríveis e penso: se um dia mudar de ideia quanto à maternidade, quero ser assim, ser forte para falhar e buscar acertar na criação de um filho. Aliás, quase todas minhas grandes referências são mães.

Mas eu não quero ser mãe. E talvez eu mude de ideia. Talvez um dia eu queira adotar uma criança, já pensei na possibilidade. Não quero gerar uma vida, no máximo gostaria de trazer alento a um ser já vivente. A questão aqui é que ninguém pode, nem deve, me cobrar a maternidade para que eu me sinta uma mulher completa.

Por quê? Porque eu já sou completa! Completíssima.

Sobre completude, amor e outros detalhes

Gosto muito da Estela que batalhou tanto para não largar o ensino médio a fim de ajudar nas contas de casa. Da jovem garota que saía de casa cedinho e só voltava bem à noitinha, após ter trabalhado, estagiado e estudado o dia todo.

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Eu amo a Estela de hoje que teve coragem de mudar de área de atuação, indo de Letras à Comunicação, porque não se sentia feliz. Sou apaixonada pela mulher que eu sou, assertiva e brava quando necessário, que ri e chora muito fácil e faz de tudo para acolher as pessoas e suas dores.

Que faz tatuagens coloridas “gourmets”, como dizem amigos. Que ama pensar looks com tênis, enquanto ouve um podcast ou dança pela casa. Que gosta de caminhar sozinha para colocar as ideias em ordem. Que compra muitos livros e tem muitas plantas. Que ama sair pra conversar e beber com amigos. Que é bem resolvida com a sua sexualidade e fala abertamente a respeito.

Assim como qualquer coisa que já fiz na vida, ter um filho teria que ser um ato de amor, e não uma obrigação. Impor a maternidade para qualquer mulher é um ato de violência. Interrogar imperativamente mulheres sobre quando vão ser mães é violento. Se uma mulher disse que não quer ser mãe, invalidar sua decisão com argumentos subjetivos é agressivo. Apenas aceite. É mais fácil e leve, como a vida precisa ser.

No próximo domingo é Dia das Mães, estarei com as mães que me rodeiam. Mulheres que eu idolatro, mesmo que sejamos tão diferentes. Admiro cada mulher da minha família e minhas amigas que encaram a maternidade, mesmo sabendo o quanto seria difícil, mesmo tendo consciência de que boa parte da criação de seus filhos, se não toda, ficaria em suas mãos.

No Dia das Mães, vou brindar com as minhas mulheres enquanto falamos das nossas origens, vemos álbuns de fotos e comemos aquelas comidas simples que enchem a mesa e o estômago com amor.

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Dicas de Mulher.

Fez Letras, mas se encontrou na área de Comunicação. Mediadora do clube de leitura #LeiaMulheres e autora do livro de poemas 'O rio seco que vive em mim'. Gosta de planta, de bicho e de gente, mas mais ainda de histórias.