COLUNA

“Menos Mãe” ou “Mãe Possível”?

Dicas de Mulher

Com qual destes pontos de vista você mais se identifica?

O ponto de vista que sustenta a ideia da existência de mães que são “menos mãe” é o ponto de vista da romantização. “Menos mãe” é como julgam a mãe que deixa a cria na creche para poder trabalhar remuneradamente, e também é como julgam a mãe que pausou a carreira por ser esta a única saída. “Menos mãe” é como julgam a mãe que solicita rede de apoio para sair com as amigas, e como julgam a mãe que dá um chocolate para a criança se acalmar em um dia muito turbulento.

A ideia da mãe insuficientemente boa é consequência da manutenção do ideal da “mãe perfeita”. A figura da “mãe perfeita” é sempre distanciada da realidade, a fim de que ela se mantenha inalcançável qualquer que seja o esforço realizado, a condição estabelecida ou os privilégios contabilizados. A partir desta ótica, da maternidade romantizada, a mãe deve ser capaz de dar conta de todas as responsabilidades atribuídas a ela, sem considerar as próprias limitações materiais, físicas, emocionais e psicológicas. O amor dos filhos é colocado em jogo para que as mães continuem a desafiar os próprios limites tentando encontrar soluções para questões insolucionáveis. Porque não há nem como fechar contas que não fecham e nem como dar conta sozinha do trabalho de uma aldeia inteira.

O sentimento de incapacidade e de impotência, diante das tarefas que se acumulam, é comum a muitas mães. Estes sentimentos, em grande parte, são reflexos das cobranças derivadas do ideal romântico da maternidade. Ao fim do dia, mesmo que a mãe tenha realizado muitas tarefas, na maioria dos lares ainda fica muito por fazer e essa carga acumulada é explícita: na pia, pelo chão, na lavanderia, e principalmente na mente. A figura da mãe que é “menos mãe” toma forma em muitos destes casos e invade o imaginário e as perspectivas de muitas mulheres, fazendo-as acreditar que o problema esteja nelas: porque não são organizadas o suficiente, não são fortes o suficiente, não são boas o suficiente.

Daí a necessidade de um olhar pautado na realidade: a mãe que chega ao final do dia “perdendo” para a pia suja, se esquece que já “venceu” esta mesma pia pela manhã e pela tarde. Como os trabalhos de cuidado exigem dedicação constante, o trabalho realizado pelas mães pode ser facilmente invisibilizado, já que se desde cedo havia louça para lavar e de noite ainda há, pode-se ouvir dizer, que nada ali se modificou.

Da perspectiva da realidade, considerando a sobrecarga materna, o mercado de trabalho excludente, a escassez de políticas públicas direcionadas às mães, a falta de rede de apoio, a paternidade facultativa, a vulnerabilidade financeira, e o adoecimento mental materno devido ao acúmulo de tarefas e a exaustão, partindo do princípio da empatia e do fato de que as mães são humanas e portanto limitadas, o melhor que se pode esperar de uma mãe é que ela dê conta apenas daquilo que é possível. Ou seja, daquilo que respeita sua integridade física, mental e emocional.

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Assim, a “Mãe Possível” é a mãe que não está disposta a padecer, nem a acreditar que o paraíso careça de sofrimentos. A “Mãe Possível” não tem sequer a pretensão de ser a “Mãe Perfeita”, inclusive é a mãe que luta arduamente para se libertar das amarras do perfeccionismo que lhe é imposto. É a mãe que sabe que para poder cuidar com qualidade, ela também precisa receber cuidados. É a mãe que por lutar pela garantia dos direitos das crianças, compreende a necessidade de também lutar pelos seus.

Mas conseguiremos ser apenas possíveis, enxergar na louça acumulada a falta de compartilhamento, perceber em nossa rotina exaustiva a falta de rede de apoio, entendermos as falhas e os acúmulos como movimentos que ultrapassam a nossa humanidade? E diante da exaltação romantizada dos “super poderes maternos”, conseguiremos nos admitir apenas reais, humanas e possíveis? Ou seguiremos sem dormir tentando provar que não somos “menos mãe” por sermos apenas aquilo que nós somos capazes de ser?

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Dicas de Mulher.

Carolina Damião é atriz, escritora, produtora e criadora de conteúdo sobre o direito das mães de viverem a vida para além da maternidade. Gosta de pintar murais e de dançar. É mãe-solo e deseja ser feliz no paraíso. Em breve no teatro com o monólogo "Não me chame de mãe".