COLUNA

Usei filtros embelezadores por diversão e agora não consigo me olhar no espelho sem me decepcionar

Dicas de Mulher

Filtros provocam um encanto traiçoeiro: criam uma imagem irretocável, mas levam a crer que dependemos deles para estarmos bonitas

Em 26.08.22

Você não está só, minha linda. Há algum tempo profissionais da área de saúde têm mostrado a relação entre o uso desmedido de filtros e nossa autoestima – ou a diminuição dela. Se antes corrigir detalhes em busca de uma perfeição fictícia acontecia apenas nas fotos de celebridades retocadas pelo Photoshop, hoje basta um aplicativo para transformar sua imagem. Isso fez com que as redes sociais fossem inundadas por fotos de rostos sem poros, com sobrancelhas perfeitas, lábios de contorno irretocável e pele sem marcas de expressão.

Com a promessa de melhorar sua foto com um toque, os filtros embelezadores não corrigem simplesmente a iluminação ou melhoram a qualidade da foto. Eles frequentemente uniformizam as pessoas, com o risco assumido de tirar delas as características que contam as histórias de quem são. Vão-se as rugas, as espinhas, as manchas e fica a sensação de que somos bonecas de porcelana recém-colocadas na vitrine.

Não é de se estranhar que, ao desligar o aplicativo e encarar nossa versão nua a crua, sintamos um estranhamento entre a imagem que criamos de nós mesmas e aquela que efetivamente projetamos. Em casos mais graves, esse desconforto irracional com relação a nossa autoimagem pode levar a condições como a dismorfia. Isso ocorre quando daquele olhar ultracrítico sobre nossa aparência se torna tão desmedido que características inatas como o formato do nosso rosto, marcas de nascença ou curvas da silhueta são consideradas defeitos insuportáveis. Nessas horas a tecnologia, nossa aliada de funções dúbias, vira gatilho para condições que ganharam nomes próprios a exemplo da dismorfia do zoom e dismorfia do Instagram.

A essa altura você deve estar se perguntando se eu, que estou levantando questionamentos tão críticos sobre esses recursos, sou imune a promessa de parecer mais descansada, maquiada e com sorriso brilhante. Muito pelo contrário.

Comecei a usar filtros para aumentar a resolução das fotos antes de postar e, quando me dei conta, já fazia alterações na cor do meu cabelo, no brilho dos olhos e, claro, na pele. De tanto usá-los passei a acreditar naquela imagem. Foi preciso que uma amiga me desse um toque, perguntando discretamente por que meu rosto parecia tão diferente, para que eu percebesse que tinha exagerado.

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Mas o estalo real veio quando me dei conta de outra problemática envolvendo esses truques tecnológicos. Certa vez, enquanto procurava por um retoque mais natural em uma rede social, me deparei com uma verdade inquietante: além de provocar uma padronização da beleza, fazendo com que tenhamos todas as mesmas bocas e narizes, muitas dessas ferramentas tentam substituir nossos traços por versões eurocêntricas e, em sua maioria das vezes, de pessoas brancas. Foi um baque perceber que todos os fenótipos que me definiam, como meu nariz, lábios e minha cor de pele foram alterados para que eu me parecesse menos… negra.

Claro que temos filtros especiais para peles pretas e pardas. No entanto, tratar mais da metade da população como exceção, obrigando-nos a fazer buscas específicas para termos nossas subjetividades levadas em conta é, no mínimo, preconceituoso. Foi esse olhar crítico que me ajudou a maneirar os retoques nas fotos e, consequentemente, encontrar menos defeitos na imagem que eu via no espelho, que já não era tão diferente da on-line.

Acontece que essa lucidez nem sempre norteia as decisões de quem se viciou nos filtros de beleza. Convencidas de que envelhecer é errado e de que uma mulher que se cuida é uma mulher maquiada, muitas de nós se deixam enfeitiçar pela ideia de que podemos alcançar um tal padrão de beleza. O que esquecemos é que esse padrão é etarista, reduz nosso valor à nossa aparência e corrobora com o pensamento de que seriamos todas mais bonitas – e valorizadas – com uma correçãozinha aqui, outra ali.

Para muitas mulheres esse texto não fará sentido. “Quer me ver feia, vem na minha casa e durma comigo”, dizem. Há também aquelas que fazem um uso comedido, saudável e criterioso dos filtros, sejam por quais razões forem. O perigo mora no excesso que cria dependência. O sinal de alerta se acende quando você passa a recusar que tirem fotos suas, evita sair de casa para não revelar sua real imagem e passa a desejar 24 horas um visual que não pode e nem precisa ser transportado para o mundo off-line.

A você portanto proponho que, ao invés de se perguntar para que usar ou não filtros, questione para quem você está usando-os. Quem é a pessoa que você está tentando agradar com essas modificações e de que forma criar uma personagem de si mesma irá te fazer mais feliz? Minha teoria é que você irá perceber que foi ensinada a gostar de um determinado tipo de beleza e que precisa reeducar seu olhar. Somos um dos países que mais realiza procedimentos estéticos. Isso tudo diz muito sobre nossa ideia do que é belo e de como não nos achamos suficientemente bonitas naturalmente.

Porém, você já deve ter ouvido a frase: “gosto é construção social”. Ela resume a ideia de que tudo aquilo que admiramos (ou não) tem a ver com o contexto que vivemos, as pessoas que nos inspiram e com aquilo que nos ensinaram. Parece difícil de ouvir, mas seu gosto não é (só) seu. Ele foi entregue a você. Sabendo disso, reflita sobre o pensamento de que todo mundo fica mais bonito com filtro. Mais bonito que quem e mais bonito sob quais aspectos?

Precisamos rever nossos parâmetros a respeito do que é beleza e isso começa reconhecendo nossa própria majestosidade. Eu me arrisco a dizer que daqui alguns anos olharemos com um certo desdém para essa moda dos filtros. Tendências mudam, o que fica é o essencial. É a essência. Invista naquilo que torna você única e, certamente, irresistível. Isso filtro nenhum fará por você.

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Sua amiga, Monique

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Dicas de Mulher.

Monique dos Anjos é jornalista, consultora antirracista e escritora de contos eróticos para mulheres. Com 20 anos de experiência na escrita de reportagens sobre o universo feminino, hoje estuda gênero e raça enquanto educa três crianças incríveis que a motivam a reconhecer a felicidade todos os dias e em todas as coisas.