COLUNA

No Mundo Real, a Barbie ganhou uma vagina!

Dicas de Mulher

No filme mais aguardado e provocativo do ano, a boneca que impactou gerações de mulheres se torna (ainda mais) capaz de ser o que deseja.

Às desavisadas: este texto contém SPOILERS!

A memória das garotas que cresceram nos anos 1980 e 1990 foi reativada pelo filme na última semana – e de uma forma bastante inesperada! Hilário, ideológico, feminista, confuso, genial… diversos são os rótulos que o filme da Mattel recebeu. Você pode ter gostado ou não do filme, mas não podemos negar que houveram muitas surpresas nas cenas.

Confesso que fiquei receosa sobre ir ao cinema. A cor rosa não me agrada e as memórias afetivas são poucas. Vim de uma cidade pequena e meus pais não puderam comprar a coleção infinita de Barbies – exceto a Barbie grávida, o que pode explicar minha dificuldade com a ideia de ser mãe, porque era realmente muito bizarro ver aquela barriga descolando do corpo da boneca. Quando ouvi o burburinho acerca do humor ácido do filme, me animei, afinal de contas eu não gosto de rosa, mas gosto de chacota – e ainda bem que fui, porque me diverti muito!

O filme, que está bem distante de ser uma obra prima do feminismo (embora dialogue com ele), passa boa parte do tempo demonstrando a fragilidade masculina e os elementos fálicos que rodeiam o ego dos “Kens” na Barbielândia. Lá, no mundo das mulheres, são elas que comandam, e eles são apenas figurantes de um mundo cor-de-rosa. Em contraponto ao mundo real, em que “basta ser homem” para conseguir muitas das posições de poder, a Barbielândia guarda uma metódica organização para manter intacta a fantasia da perfeição, que é quebrada quando Ken resolve mandar no sistema.

E o que isso tem a ver com vaginas?

Na infância, todas nós reagimos à curiosidade de ver as partes íntimas de nossos bonecos. Quando crianças, as brincadeiras de “esfrega esfrega” entre eles foram os representantes do que entendíamos por “namorar”, e isso acontecia porque era a forma que tínhamos de brincar para compreender o mundo, afinal de contas ainda era um mistério o lugar de onde vinham os bebês e como eles eram feitos. Em determinada cena do filme, a Barbie cai no mundo real e explica a um grupo de homens trabalhadores de um campo de obra que “nós não temos genitais!”, referindo-se a ela e ao Ken.

Nos bastidores dessa frase, compreendemos: bonecos não têm sexualidade, apenas são objetos feitos para existir, sem desejo ou vontade. Porém, o grande conflito acontece quando Barbie revela um traço humano, quando ela pensa sobre a morte. Ali, cria-se a necessidade de haver a inteligência necessária para as Barbies retomarem o poder, além da consideração dos desejos dos Kens, para fins de manipulação. Essa reviravolta retrata uma já conhecida narrativa: a dos bonecos que desejam virar humanos. Pinóquio e a Pequena Sereia são os mais conhecidos, e agora a Barbie entra para o time. Diante da ideia da morte, Barbie percebe-se como alguém que pode desejar e, portanto, ganha vida.

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Sexualidade, morte, desejo: uma Barbie que vive

Se temos sexualidade, isso significa que desejamos. E desejamos porque estamos vivos, porque podemos imaginar, fantasiar, querer aquilo que ainda não temos, mas que julgamos que podemos ter. Dar uma vagina à Barbie foi uma sacada incrível. Depois de ter se tornado humana, com a ajuda de Ruth, a criadora da boneca, a primeira coisa que Barbie faz é ir ao ginecologista. Ginecologistas são profissionais que se dedicam a cuidar da saúde de nosso aparelho reprodutor e dos órgãos que nos proporcionam prazer, que nos permitem desejar. Barbie só seria humana se fosse sexuada, porque é isso que a sexualidade feminina nos dá: o poder de desejar e de viver!

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Dicas de Mulher.

Psicanalista e Palestrante, graduada em Psicologia e em Letras, com Mestrado e Doutorado em Linguística e Pós-Graduada em Sexualidade Humana. Dedica sua carreira ao desenvolvimento de mulheres líderes no trabalho, nos relacionamentos e na vida. É autora do livro "A linguagem da loucura" e empresária, ama comunicação, esportes, viagens e celebrações.