COLUNA

As melhores leituras que fiz em 2022

Thays Pretti

De acordo com um único critério: as vozes da minha cabeça

Esta é minha última coluna de 2022. Como eu queimei a largada e falei sobre retrospectivas na coluna anterior, decidi que esta trataria do assunto que mais amo na vida: livros e literatura.

Fechei 50 livros lidos neste ano. Ainda temos alguns dias à frente, mas vou tirar umas férias dos livros e tentar assistir um pouco das séries e filmes que me indicaram no decorrer do ano e que eu solenemente deixei para depois, para não prejudicar meu ritmo de leitura. A gente precisa fazer escolhas, você sabe.

Assim, já consigo falar sobre meu TOP 10 de 2022, porque ele não vai mudar. Para isso, desconsiderei livros que li no ano passado e reli neste, como ‘A cachorra’, de Pilar Quintana (Intrínseca, 2017), e ‘Risque esta palavra’, de Ana Martins Marques (Companhia das Letras, 2021), pelo simples fato de que eles apareceriam de novo na minha lista de melhores leituras do ano (estavam na do ano passado). Considerei, porém, releituras cuja leitura anterior tenha acontecido há pelo menos três anos. É tempo suficiente para que eu seja outra pessoa, o livro seja diferente e, consequentemente, seja uma leitura totalmente nova.

Confesso que não foi fácil selecionar apenas 10. Sou libriana (ou seja, indecisa) e li vários livros excelentes este ano, mas consegui fechar uma lista com o que mais gostei, por motivos diversos.

Melhores leituras de 2022

Tem três coisas que eu preciso ressaltar sobre a minha lista. A primeira é que não vou organizá-la de acordo com minha preferência, porque isso já seria demais para mim. Estão, assim, apresentados aleatoriamente. O segundo ponto é que foram as leituras que mais gostei de fazer neste ano, não necessariamente os “melhores”, se fosse usar um olhar estritamente de crítica literária.

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Vale dizer também que minha seleção não parte de livros publicados em 2022, mas, sim, de livros que eu selecionei para ler neste ano. Apesar disso, a maioria das minhas leituras deste ano são de livros publicados recentemente, porque eu gosto de literatura contemporânea.

Seguem os escolhidos!

• A extinção das abelhas, de Natalia Borges Polesso (Companhia das Letras, 2021)

Gostei tanto deste romance que escrevi uma coluna só para ele (Nós, o futuro e a extinção das abelhas).

É um livro sensacional, tanto em relação ao tema, quanto à forma. Polesso traz para o texto questões políticas, ambientais e individuais. A autora também brinca bastante com o texto esteticamente, dividindo-o em três partes, cada uma com um trabalho diferente de linguagem, que emulam o que a personagem está vivendo por dentro em cada momento. Era meu favorito na categoria romance para o Prêmio Jabuti 2022, uma pena não ter levado.

• O mundo desdobrável: ensaios para depois do fim, de Carola Saavedra (Relicário, 2021)

Terminei este livro com vontade de voltar para a primeira página e começar a leitura de novo, tal o impacto que me causou.

Passando por literatura, arte, escrita de autoria feminina, povos originários, minorias e ecologia, entre uma miríade de outros temas, Carola escreve como quem conversa, como quem reflete. Os temas fluem e se conectam de forma despretensiosa e leve, transitando por diversos tipos de conhecimento sem juízo de valor e sem hierarquia, o que é também um assunto do livro: a reflexão sobre a necessidade de se igualar o conhecimento dos povos originários, populares e de minorias aos conhecimentos aceitos pelo mundo ocidentalizado, masculino, branco. Vale muito a leitura.

• Vida desinteressante, de Victor Heringer (Companhia das Letras, 2021)

Victor Heringer continua sendo um dos escritores contemporâneos com os quais eu mais me conecto no sentimento e no modo de perceber/entender o mundo. Lê-lo em suas crônicas nesta obra infelizmente póstuma só reforça essa certeza. Tenho um amor tranquilo pelas palavras dele e uma raiva profunda por ele ter ido embora cedo demais.

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• Pedro Páramo, de Juan Rulfo (José Olympio, 1955)

“Vim a Comala porque me disseram que aqui vivia meu pai, um tal de Pedro Páramo./ Minha mãe me disse. E eu prometi que viria vê-lo assim que ela morresse.”

Como diz a nota do tradutor na edição que eu li, “Juan Rulfo era um obcecado pelo corte, pelo polimento final, pelo secar de um texto até reduzi-lo à mais rigorosa exatidão”. Isso é visível desde as primeiras frases do livro, transcritas acima. Nada sobra, nada falta.

Além do trabalho refinado com a linguagem, Pedro Páramo é uma obra exemplar do realismo fantástico latinoamericano – e não surpreende que tenha inspirado Gabriel García Márquez em sua própria atuação na literatura. Na obra, morte e vida se confundem e entrelaçam, de modo que estar do lado de cá ou do lado de lá é visto dentro desse universo com muita naturalidade. É incrível e vale a leitura – e a releitura, como foi meu caso.

• Temporada de furacões, de Fernanda Melchor (Mundaréu, 2021)

Depois de terminar a leitura, fiquei um tempo pensando em como definir este livro. Ele é bem escrito, envolvente, fluido, fácil de ler. Ao mesmo tempo, grotesco, nojento, rançoso, violento. Onde firmar o ponteiro? É um livro ótimo? É um livro horrível?

Fernanda Melchor nos coloca nessa posição de admiração estética do horror desde o começo do livro, já que abre com a descoberta do cadáver putrefato da Menina Bruxa nas margens de um canal. A partir dos relatos dos envolvidos nesse assassinato, cria-se um panorama de uma pequena vila mexicana e de seus horrores. Tudo isso a partir de uma narrativa não linear e espiralada, com imensos blocos de texto que percorrem capítulos inteiros e fluem em tom de oralidade caótica.

O texto é extremamente visual, cru e violento, e sua narrativa intensa e vertiginosa pode muito facilmente ser aproximada da ideia mesma de um furacão, como se o furacão que destroçou La Matosa antes do início da história passasse pelas páginas e deixasse tudo assim, intranquilo e devastado. A narrativa frequentemente se dobra sobre si, o tempo vai e volta, espiralado, e é impossível não nos sentirmos, enquanto leitores, dentro do olho do furacão que é esta narrativa.

• O amante, de Marguerite Duras (Tusquets, 1984)

Esta é alegadamente a mais autobiográfica das obras da autora. Ao mesmo tempo, sua construção me fez pensar na ficcionalidade intrínseca a toda autobiografia: seja uma história de desgraças ou vitórias, nossa narrativa pessoal sempre passa pelo nosso próprio filtro. É nosso olho que vê nossa vida, é nossa língua que a conta. Nossa narrativa pode ser uma ou outra totalmente diversa dependendo de onde nos colocamos para observá-la – e isso é belíssimo.

A abertura do texto também é excelente: a narradora parte de um comentário feito por um homem a respeito da beleza de seu rosto idoso para buscar em sua memória quando seu rosto teria envelhecido – segundo ela, muito antes do tempo. E é então que somos levados à sua adolescência e à história contada no livro.

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• Os contos, de Lygia Fagundes Telles (Companhia das Letras, 2018)

Foram dois meses de leitura para terminar “Os contos”, da Lygia Fagundes Telles (sobre quem também já falei em outra coluna). A coletânea tem 749 páginas e reúne os livros ‘Antes do baile verde’ (1970), ‘Seminário dos ratos’ (1977), ‘A estrutura da bolha de sabão’ (1991), ‘A noite escura e mais eu’ (1995), ‘Invenção e memória’ (2000) e ‘Um coração ardente’ (2012), além de uma seção com mais 12 contos esparsos, publicados em revistas, jornais ou antologias.

O mais interessante da leitura foi acompanhar o processo de Lygia no decorrer dos anos, a mudança no estilo, a diferença entre os livros. Há épocas em que a autora escreveu contos longuíssimos, em outras, teve um apreço especial por finalizar seus contos no ponto mais alto da expectativa da narrativa. Perceber esses “bolsões” de estilo é fascinante.

• Maus: a história de um sobrevivente, de Art Spigelman (Quadrinhos na Cia, 1980):

Sou muito sensível em relação ao tema do Holocausto, sem uma justificativa mais elaborada do que, talvez, a de ser alguém empática, humana e respeitadora dos direitos fundamentais do ser humano. Então, só o fato de Maus, de Art Spiegelman girar em torno disso e da experiência de seu pai como sobrevivente já me toca e alcança profundamente.

À parte isso, também é um quadrinho profundamente tocante pela relação de Art com seu pai, bastante conflituosa em diversos momentos. Também é interessante que Spiegelman não transforma seu pai em herói: ele o transforma em humano. Ele tem qualidades e força, ao mesmo tempo que tem manias, preconceitos, picuinhas. Ele salta das páginas, cheio de vida e humanidade – justamente o que o nazismo buscava tirar dos judeus.

Outro ponto alto do livro é seu caráter metaficcional. O quadrinho intercala na narrativa a história do pai e as conversas/entrevistas com o pai para a escrita do livro, fazendo a obra se dobrar sobre si mesma. Há inclusive trechos em que Art mostra para o pai rascunhos de Maus, reforçando a quebra de barreiras que este quadrinho estabelece entre realidade e ficção, vida e narrativa. Muito bom!

• Pílulas Azuis, de Frederik Peeters (Nemo, 2015)

Li várias HQs durante o ano de 2022, até por estar cada vez mais rompendo certo preconceito que eu tinha com esse gênero. Não por acaso, três das obras no meu TOP 10 são quadrinhos, incluindo este. ‘Pílulas azuis’ é um romance gráfico com uma temática sobre a qual eu ainda não tinha lido: o narrador é um rapaz que se apaixona por uma moça – ela e o bebê dela soropositivos – e decide seguir com o relacionamento, entendendo como funciona a doença e encontrando muita liberdade dentro da compreensão do modo como ela funciona, quando medicada.

Vale ressaltar que essa é uma experiência biográfica – e talvez seja exatamente por isso que o autor soube tratar do tema com tanta maturidade e sensibilidade. Uma bela HQ, que recomendo.

• Degenerado, de Chloé Cruchaudet (Nemo, 2020)

A terceira HQ que selecionei para meu TOP 10 também é, curiosamente, baseada em uma história real – porém, já com certo distanciamento histórico.

‘Degenerado’ enfoca um casal que viveu na França no período da Primeira Guerra. Ele é convocado para as trincheiras, mas, depois de algum tempo de luta e de presenciar mortes assustadoras, decide desertar – o que era considerado crime passível de prisão ou pena de morte. Para se disfarçar socialmente, ele, com a ajuda da esposa, passa a se vestir como uma mulher. O conflito se intensifica quando ele começa a cada vez mais se identificar com essa persona que ele criou, levantando questões importantes relacionadas a gênero, violência etc. As possibilidades de reflexão e debate são inúmeras.

É bem claro para mim que, se eu fizesse uma nova lista AGORA, ela já teria alguns nomes diferentes. Li muita coisa boa este ano e cuja leitura eu recomendaria. Aliás, é por isso que eu posto as leituras mês a mês no meu Instagram e no Skoob: afinal, não é porque um livro não chegou ao TOP 10 que ele não é excelente – tá aí a retrospectiva do Spotify para provar que tem muita música boa que fica de fora.

No fim, acho que o mais importante é encontrar o que você gosta e explorar os caminhos ao redor – e daí também recomendo que você participe de (ou funde!) um clube de leitura. Ler com outras pessoas, trocar impressões, indicar e receber indicações de leitura é sempre mais gostoso do que viver a leitura sempre como um exercício solitário (ainda que, no fim, seja um exercício solitário mesmo).

Também vale muito deixar os preconceitos de lado e explorar gêneros literários diferentes: você pode ter belas surpresas. Tive muitas em 2022, e pretendo ter mais belas surpresas em 2023.

Então, que venham grandes leituras e experiências para todos nós!

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Dicas de Mulher.

Escritora, autora de "A mulher que ri", "Efêmeras" e "Do Silêncio". Apaixonada por Clarice Lispector, clubes de leitura e pessoas. Gosta de listar coisas de três em três.