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O termo Girl Power se popularizou como uma forma de atribuir às mulheres sua devida força e valor e está muito presente no feminismo liberal. Todavia, é preciso entender e alertar sobre o uso descontextualizado do conceito. Entenda melhor o que é Girl Power e suas problematizações com a ajuda das cientistas sociais Fernanda Mendes e Emilly Menezes Franco.
O que é Girl Power?
Em sua tradução literal, Girl Power significa poder das garotas, sendo interpretado como poder feminino. Nesse sentido, o conceito é associado ao feminismo e tem se popularizado junto com o movimento. Assim, a expressão se mostra importante ao lembrar as mulheres de reencontrar e requerer sua força, reafirmando sua existência por meio desse dizer.
A pesquisadora das Ciências Sociais, Emilly Menezes Franco, afirma que “o termo é utilizado, sobretudo, pelo feminismo liberal e foi popularizado na mídia nas últimas décadas, principalmente pelos nichos de comunicação e comercialização de produtos voltados para o público feminino”.
Em sua representatividade, o conceito abarca o ato de usar de suas competências para representar a força feminina e poder de realização pertencente às mulheres.
Como surge o termo Girl Power?

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A expressão Girl Power surge como uma frase distante do uso que atribuem a ela atualmente, de empoderamento feminino. Segundo Fernanda Mendes, é mais fácil entender sua origem relembrando outro termo criado em 1943, We can do it, o qual associou a imagem de uma trabalhadora com a força feminina.
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“Cabe ressaltar que esta primeira imagem e o slogan em questão foram criados para estimular as trabalhadoras em meio a um contexto de guerra, sendo assim, nada tinha de relação com o movimento feminista”, esclarece Mendes. Isso evidencia as diferentes prioridades das mulheres de meados do século XX, pois mesmo que já existissem exigências exclusivas do gênero, o momento pedia a reafirmação da força feminina com a finalidade de operar maquinários enquanto os homens iam à guerra, e não como uma manifestação política.
Segundo a cientista social, da mesma forma nasce o termo Girl Power, afastado de um movimento político pelos direitos das mulheres. Ele surge junto com a banda Spice Girls, como forma de representar o poder feminino dentro da lógica da indústria musical.
As problemáticas consequentes do uso da expressão Girl Power
Se um termo surge na lógica de servir ao sistema de dominação e opressão na qual as mulheres estão inseridas, tal qual a indústria musical, existem algumas problemáticas como consequência.
Fernanda Mendes coloca que “a cultura pop, associada à ideologia da industrial cultural, como já mencionado, não estimula a reflexão crítica aprofundada e transforma tudo em mercadoria”. Nesse sentido, algumas questões que precisam ser vinculadas à luta feminista para que ela seja compreendida e realmente instrumentalize as mulheres para resistir à lógica de dominação masculina são deixadas de fora.
Mendes traz alguns questionamentos como “onde estaria esse Poder Feminino? Como vivenciá-lo? Estas são perguntas cujas respostas não encontraremos no feminismo midiático by Spice Girls”. Tal feminismo serve às mídias e funciona segundo a lógica delas, que, em consequência, são regidas pela lógica de dominação (capitalista e patriarcal) para que o sistema se mantenha.
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Assim sendo, mesmo que se use o dito Girl Power, se desconhece os meios para de fato expressar o poder feminino, já que, na lógica operante, a força das mulheres é limitada, se não inabilitada. “É imprescindível pontuar, enquanto cientista social, os limites existentes em um discurso que defende o empoderamento feminino, mas que, por outro lado, não é crítico em relação ao maior sistema de opressão no qual as mulheres estão inseridas: o capitalismo”, complementa Emily Franco.
Ademais, Franco aponta que, “se por um lado é um avanço que as ‘questões das mulheres’ estejam cada vez mais popularizadas nos debates da sociedade, por outro lado, o potencial transformador é limitado quando as discussões realizadas não problematizam o discurso liberal de igualdade para o consumo, dominante na noção do Girl Power, desconsiderando também questões como raça e classe”.
Pode haver uma ressignificação do termo?
Isso não significa, todavia, que o termo não possa ser ressignificado em uma compreensão mais complexa, pois, mesmo que possa servir a uma lógica de dominação e exploração feminina, pode, hoje, ser uma porta de entrada para mulheres conhecerem mais a fundo o movimento feminista.
Nesse sentido, o Girl Power, tão difundido na mídia, pode servir como uma forma de primeiro contato com as questões da luta feminina e feminista. “Ao utilizar um instrumento tão eficiente de poder como é a mídia, este alcança um raio maior de ação nas/nos jovens. Porém, este feminismo pop não se presta a aprofundar debates importantes, só tangencia. Sendo assim, acredito que, como ponta pé inicial, pode ser efetivo, mas não gera reflexão com vistas à mudança social”, finaliza Fernanda Mendes.
O termo Girl Power na cultura

Reprodução: Marvel Studios
A inserção do termo Girl Power na cultura acontece juntamente com a popularização do movimento feminista na última década. Agora, boa arte da população tem acesso ao termo, independentemente de serem apoiadores ou não. Ou seja, o debate sai um pouco do círculo dos estudiosos de gênero ou ativistas igualitários.
Por meio de vestir roupas, ouvir músicas, e falar frases marcadas pelo conceito, é possível se mostrar parte da causa e representar até no que é considerado mais banal, como vestir uma blusa, o que te faz um ser político e pelo que você luta.
A representatividade, nesse cenário, é essencial, pois surge no sentido de que diferentes pessoas que integram uma mesma luta possam se sentir representadas pelo que está sendo demandado por esse grupo, além de popularizar a causa e gerar identificação com outros apoiadores.
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Entretanto, o femvertising (propagandas voltadas para o público feminino) existe também como forma de o capitalismo se reinventar e satisfazer às demandas da classe oprimida, cooptando a luta e encontrando sempre uma forma de tirar lucros e se apropriar de movimentos que vão contra sua ideologia.
Dessa forma, é importante reiterar a necessidade de ir além do movimento de vitrine, servindo-o apenas como meio de representação e popularização da luta, e uma forma de, mesmo em questões mundanas como roupas e tatuagens, se politizar. Lembrando sempre que a luta vai muito além disso.
Gostou de conhecer melhor a expressão? Como explicado na matéria, ela é apenas uma porta de entrada para o movimento feminista. Agora, se você quer se profundar, confira mais termos da luta no glossário feminista e fique por dentro do movimento!

Caroline Stempniak
Redatora, pesquisadora feminista e futura psicóloga. Gosta de falar de coisa que mexe com a gente e de mexer com gente. Apaixonada pela escrita e pelas diferentes formas de existência. Busca viver e promover a autenticidade de ser.